domingo, 17 de fevereiro de 2013

BÁLINT FEHÉRKUTY UM ARTISTA HÚNGARO NO BRASIL





Os húngaros do século XX tem uma triste história em sua pátria, porém construíram uma bela história no Brasil, e entre seus legados esta a produção artística. 
Após a 1º Guerra Mundial a Hungria foi divida, perdendo 2/3 de seu território para formação de novos países como Romênia, Eslováquia, Ucrânia, Servia, Áustria e Eslovênia, muitos dos húngaros que da noite para o dia perderam sua pátria, decidiram migrar para outros países, o Brasil se fazia um boa opção, pois o cultivo do café estava em seu auge, sendo assim seguramente encontrariam trabalho no campo, porém ao chegarem a vida no campo não se tornou tão favorável aos migrantes fazendo que formassem vilas nas cidades, onde se estabeleceram tranquilamente até a Segunda Guerra Mundial. Como a Hungria lutou no lado oposto ao Brasil na Segunda Guerra Mundial houveram várias represarias a estas comunidades, como a proibição do uso e ensino do idioma húngaro ou qualquer manifestação cultural[1].
No fim da Segunda Guerra Mundial o comunismo se instalou na Hungria, um governo duro e sangrento dominado pela União Soviética que agiu com severas represálias contra os agricultores, empresários e contra a Igreja, ou seja, tudo que pudesse ir contra a ideologia comunista. Em 23 de Outubro de 1952 os Húngaros se revoltam contra o governo comunista, pedindo maior liberdade. Contra esta revolta as tropas soviéticas invadem a Hungria e em quatro de Novembro de 1956 mataram e prenderam uma grande quantidade de pessoas, ou seja, o fracasso da revolta contra o comunismo, fez com que um bom número de intelectuais, escritores e artistas se retirassem da Hungria, muitos destes vieram ao Brasil.
Um destes migrantes foi o artista Bálint Fehérkuty (Hungria, 05/11/1923 – São Paulo Paulo, 30/03/1977), sendo perseguido na Hungria, foi deportado a um campo de concentração comunista na Sibéria, de onde conseguiu fugir para o Brasil, sendo acolhido pela comunidade húngara, trabalhou como design de objetos e arquiteto e nos legou mais de meia centena de obras de arte conhecidas, algumas participantes de importantes mostras de arte no Brasil, como I Bienal de São Paulo em 1951 (imagem 1), XXXIII Salão Paulista de Belas Artes em 1968.
Sendo um artista múltiplo podemos dividir suas obras entre: pintura em aquarela (Imagem 2); pintura em têmpera (Imagem 3); lápis sobre papel (Imagem 4); Esculturas em pedra (Imagem 5) e cerâmica (Imagem 6); coloridos vitrais (Imagem 7);esculturas que combinam a técnica de vitrais com madeira(Imagem 8) e mosaicos (Imagem 9).
Muitas de suas obras são de caráter religioso retratando passagens das sagradas escrituras (Imagem 10), figuras de Cristo (Imagem 11) ou da Mãe de Deus (Imagem 12); entretanto encontramos ainda gravuras de rostos e figuras humanas (Imagem 13); projetos de mobiliários (Imagem 14) e belas paisagens (Imagem 15).
Entre os anos de 1966 e 1971 este artista foi convidado pelos frades carmelitas[2] a ir à cidade de Paranavaí, onde ornou com suas obras as igrejas matriz das paróquias São Sebastião (hoje Santuário do Carmo) e Nossa Senhora das Graças, bem como deixou obras nos Conventos Carmelitas de Paranavaí e Graciosa.
Hoje suas obras se fazem catalogadas e conservadas no Museu da Abadia de São Geraldo no Jardim Colombo em São Paulo, e nas Igrejas e Conventos de Paranavaí e Graciosa.
As obras de Bálint não representam simplesmente formas, estilos, técnicas, mas sim marcas históricas que descrevem não só o representado mais ainda o artista, bem como sua história e a história de seu povo, marcam lugares singulares, que devido à importância se fizeram dignos de receber tais obras, para que pela posteridade pudessem ser admiradas e interpretadas das mais diversas formas.
Frei Tiago Correia O.Carm. [3]




Anexos


Extrato do livro  Erinnerungen eines Brasilienmissionars de Dom frei Alberto Först O.Carm.



(Tradução)  BALINT FEHERKUTI

Quem era este homem e o que ele tinha a ver com nosso Comissariado? Balint Feherkuti, um húngaro de nascimento, era um excelente artista. Tomei conhecimento a respeito dele através do Dr. Karl Kögl. Ele viveu alguns meses conosco em Paranavaí. As suas obras na Igreja e Convento de Paranavaí dão testemunho do seu talento como escultor e pintor. Para a Igreja ele esculpiu a porta do Tabernáculo e criou a via-sacra em cerâmica. A seguir, ele ocupou-se com a produção de 4 estátuas de tamanho acima do natural: Maria do Monte Carmelo, São Sebastião, São José e Santa Tereza de Lisieux. Infelizmente ele não pode concluir completamente estas estátuas. Elas receberam os últimos retoques do escultor tirolês Conrado Moser., Mas a estátua de São José é completamente fruto deste escultor. Hoje ele tem seu Atelier em Treze Tilhas ([em alemão:] Dreizen Linden) em Santa Catarina. O seu tio já tinha esculpido diversas figuras de santos para nós.

Como já mencionado, Balint Feherkuti foi também um excelente pintor. Para a capela do batismo na Igreja ele criou a pintura do Batismo de Jesus e para a cripta embaixo do altar-mor a Ressurreição de Jesus. No refeitório resulta de suas mãos o quadro da última ceia que abrange a inteira parede do fundo. Na sala de recreação, uma grande pintura com uma vista da cidade de Bamberg testemunha a sua capacidade. De resto, também a pintura do altar na Igreja paroquial de Graciosa provém de sua mão. Sim, Balint Feherkuti era um artista realmente distinto e polivalente [versátil]. Após o fim da Guerra ele teve que suportar com muitas dificuldades. Isto o marcou a longo prazo. Assim se podia entender também de algum modo a sua própria fraqueza. A fraqueza se chamava Álcool.


REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

- Albert FÖRST. Erinnerungen eines Brasilienmissionars, Provinzialat de Karmeliten, Bamberg 2012.







IMAGEM 2

Nº Registro:         MASG-0793
Denominação:      Pintura
Título:        (Igreja e arvores)
Palavra-chave:     Comunidade Húngara; Bálint Feherkutyi
Autor/Fabricante:         
Bálint Fehérkuty 
Material:     Tinta aquarela; Papel
Técnica:      Aquarela s/ papel
Cronologia:          1975
Função:      Artes Visuais
Origem/Local de produção:    Brasil
Local de procedência:    São Paulo - SP
Fontes:       Mosteiro São Geraldo


IMAGEM 3


Nº Registro:MASG-0724
Denominação:Pintura
Título:(Bosque)
Palavra-chave:Comunidade Húngara; Bálint Fehérkuti
Autor/Fabricante:
Bálint Fehérkuty
Material:Têmpera;
TelaTécnica:Têmpera sobre tela
Cronologia:1960 (?)
Função:Artes visuais
Origem/Local de produção:São Paulo (?)
Local de procedência:Mosteiro São Geraldo - São Paulo – SP
Fontes:desconhecida




IMAGEM 4


Nº Registro:         MASG-0788
Denominação:      Desenho
Título:        (Estudo: Cabeças)
Palavra-chave:     Comunidade Húngara; Mosteiro São Geraldo
Autor/Fabricante:         
Bálint Fehérkuty
Material:     Lápis; Tinta; Papel
Técnica:      Lápis e tinta s/ papel
Cronologia:          s.d. (século 20)
Função:      Artes Visuais
Origem/Local de produção:    Brasil (?)
Local de procedência:    São Paulo - SP
Fontes:       Mosteiro São Geraldo


IMAGEM 5



Denominação: Escultura em cerâmica.
Título: Via Sacra
Palavra-chave:    
Autor/Fabricante:          Bálint Fehérkuty
Cronologia: Entre os anos 1966 e 1971
Função:      Artes Visuais
Origem/Local de produção: Paranavaí - PR
Local de procedência: Paróquia São Sebastião – Santuário do Carmo – Paranavaí - PR
Fontes:  Convento do Carmo




IMAGEM 6



Nº Registro:
Denominação: Escultura
Título: Nossa Senhora do Carmo
Palavra-chave:    
Autor/Fabricante:          Bálint Fehérkuty
Cronologia:          Entre os anos 1966 e 1971
Função: Arte Visuais
Origem/Local de produção:    Paranavaí - PR
Local de procedência:    Paranavaí - PR
Fontes:       Convento do Carmo – PR


IMAGEM 7



IMAGEM 8


Nº Registro:         MASG-0942
Denominação:      Luminátia de mesa
Título:       
Palavra-chave:     Monges; Dom Inácio Caciagli
Autor/Fabricante:         
Dom Inácio Caciagli - Autor da montagem
Bálint Fehérkuty - Autor do Vitral 
Material:     Vidro; Madeira
Técnica:      Vidro fundido, Madeira
Cronologia:          2003
Função:      objeto de iluminação
Origem/Local de produção:    São Paulo - SP
Local de procedência:    São Paulo - SP
Fontes:       Mosteiro São Geraldo

IMAGEM 9



Nº Registro:         MASG-0260
Denominação:      Mosaico
Título:       
Palavra-chave:     Mosteiro São Geraldo; Igreja São Bento do Morumbi
Autor/Fabricante:          Bálint Fehérkuty   
Material:     Alumínio; Vidro; Resina
Técnica:      Alumínio lixado; Resina fundida
Cronologia:          1970 (?)
Função:      Amostra de trabalho artístico
Origem/Local de produção:    São Paulo - SP
Local de procedência:    Mosteiro São Geraldo - São Paulo - SP
Fontes:       Mosteiro São Geraldo



IMAGEM 10


Denominação: Pintura
Título: Santa Ceia
Palavra-chave:    
Autor/Fabricante:          Bálint Fehérkuty
Cronologia:          Entre os anos 1966 e 1971
Função: Arte Visuais
Origem/Local de produção:    Paranavaí - PR
Local de procedência:    Paranavaí - PR
Fontes:       Convento do Carmo – PR




IMAGEM 11



Denominação: Pintura
Título: Cristo
Palavra-chave:    
Autor/Fabricante:          Bálint Fehérkuty
Cronologia:          1968
Função: Arte Visuais
Origem/Local de produção:    Paranavaí - PR
Local de procedência:    Paranavaí - PR
Fontes:       Convento do Carmo – PR





IMAGEM 12



Denominação: Pintura
Título: Nossa Senhora das Graças
Palavra-chave:    
Autor/Fabricante:          Bálint Fehérkuty
Cronologia:          Entre os anos 1966 e 1971
Função: Arte Visuais
Origem/Local de produção:    Graciosa/Paranavaí - PR
Local de procedência:    Graciosa/Paranavaí - PR
Fontes:       Paróquia Nossa Senhora das Graças Graciosa Paranavaí – PR



IMAGEM 13


Nº Registro:         MASG-0735
Denominação:      Desenhos
Título:        s/ título (estudos: figura masculina)
Palavra-chave:     Comunidade Húngara; Bálint Feherkuti
Autor/Fabricante:          Bálint Fehérkuty 
Material:     Papel
Técnica:      Tinta s/ papel
Cronologia:          1960 (?)
Função:      Artes Visuais
Origem/Local de produção:    São Paulo (?)
Local de procedência:    São Paulo
Fontes:       Mosteiro São Geraldo


IMAGEM 14


Nº Registro:         MASG-1040
Denominação:      Desenho
Título:        anvero (Estudo de Mobiliário) e reverso (Estudo de Mobiliário e pessoas)
Palavra-chave:     Comunidade Húngara; Bálint Fehérkuti
Autor/Fabricante:          Bálint Fehérkuty   
Material:     Grafite; Lápis; Papel
Técnica:      Grafite e lápis colorido sobre papel
Cronologia:          s.d. (século 20)
Função:      Artes Visuais - Estudo
Origem/Local de produção:    Brasil
Local de procedência:    São Paulo - SP
Fontes:       Mosteiro São Geraldo

IMAGEM 15


Denominação:Pintura
Título: Paisagem Bamberg
Palavra-chave:    
Autor/Fabricante:          Bálint Fehérkuty
Cronologia:          Entre os anos 1966 e 1971
Função: Arte Visuais
Origem/Local de produção:    Paranavaí - PR
Local de procedência:    Paranavaí - PR
Fontes:       Convento do Carmo – PR





IMAGEM 16







[1] a proibição foi também para o alemão, italiano e japonês
[2] Dom frei Alberto Först O.Carm relata em seu livro de memórias a estada de Bálint Ferculty em Paranavaí, uma cópia do original em alemão se encontra nos anexos bem como uma tradução para o português feita por frei Rivaldave Paz Torquato O.Carm. em anexos.

[3] Este artigo só pode ser escrito graças a ajuda do Museu da Abadia de São Geraldo, o qual agradeço na pessoa de Giselle Paixão que foi quem disponibilizou as fontes necessárias, bem como a frei Rivaldave Paz Torquato O.Carm pela tradução do texto que esta em anexo.

Iconografia do Profeta Elias - Parte II



O quadro que apresentamos é um dos maiores artistas barrocos e, provavelmente, dos maiores da história da pintura, o flamengo Peter Paul Rubens (1577-1640), cujas obras se caracterizam pelo requinte sensorial do colorido, pela teatralidade das composições, pela exuberância e dinamismo dos corpos, geralmente dispostos em linha oblíqua e quase sempre contorcidas. Alguém afirmou que Rubens constitui o apogeu de toda a pintura anterior, de Miguel Ângelo a Caravagio de Tintoretto a El Greco e Varonese.
Datado de 1625, o quadro representa a profeta Elias recebendo de um anjo o alimento que lhe permitira recobrar as forças para a grande caminhada até ao monte horeb.
 Embora o tema seja o mesmo, difere muito dos quadros já aqui apresentados. Neste, o profeta não aparece a dormir, nem sequer sonolento ou cansado. É representado de pé, pronto para partir, vigoroso, seco de carnes, pernas e braços musculosos. Como é típico das personagens de Rubens, e do Barroco, em geral, não está estático. Faz o gesto, um pouco tímido, talvez respeitoso, de receber a oferta. O manto, de cor branca, contrariamente à cor vermelha habitual, parece agitar-se com a vinda do anjo.
Este, por seu lado, acaba de chegar. Os artistas barrocos gostam de captar o momento exato da metamorfose. O mensageiro de Deus ainda não parou. Dá o último passo. Ainda nem recolheu as asas. Também as vestes, esvoaçam como que agitadas pelo vento causado pelo voo. O rosto, extremamente juvenil, delicado, quase feminino, contrasta fortemente com a virilidade do profeta. A expressão facial parece mostrar respeito e espanto, reconhecendo a grandeza daquele atleta de Deus. A arte barroca aprecia os contrastes violentos, exprimindo a ideia de que toda a realidade é uma combinação de opostos.
Repare-se no enquadramento. Sugere que estamos a assistir a uma peça de teatro, num palco delimitado por robustas colunas torsas, salomónicas, também elas cheias de dinamismo, como é próprio da arquitetura barroca. A paisagem, ao fundo, agita-se. As nuvens levantam-se, como as cortinas de um palco, para deixarem ver a cena.
Todos estes elementos compositivos transmitem a impressão de que Elias é um profeta cheio de energia, um homem de acção decidida, não propriamente um contemplativo.
Mas o pormenor que mais me surpreende é o copo que o anjo apresenta. Pela delicadeza do seu trabalho, parece pertencer a um serviço palaciano de mesa. Lembra um copo de Murano, delicadamente trabalhado. Uma peça tão requintada, no meio de um deserto, prestes a ser entregue a um duro asceta, é mais um daqueles contrastes que os barrocos tanto apreciam. Rubens, porém, sabe que a bebida é interpretada como prefiguração do sangue eucarístico de Cristo. Por isso pinta o cálice tão preciosamente.
Aliás, o pão e a taça encontram-se mesmo no centro do quadro. São os elementos mais importantes da composição. Simbolizam a Eucaristia.

***

Depois dos quadros que representam o sonho do profeta Elias e o encontro com a viúva de Serepta, não resisto a apresentar a iconografia do seu arrebatamento ao céu num carro de fogo. O espetacular episódio encontra-se no Segundo Livro dos Reis, cap. 2.
Embora haja muitas representações desta cena, escolhi uma iluminura de um códice medieval, pertencente a uma biblioteca holandesa, e um ícone. Apesar da ingenuidade técnica da iluminura, ela é, em minha opinião, encantadoramente expressiva. Repare-se na ausência de perspetiva, na inabilidade com que se desenham os cavalos, na solução extremamente estilizada que o pintor encontrou para representar o fogo. Apesar disso, o artista consegue dizer o que tem a dizer. O seu trabalho produz o efeito desejado. Ao artista medieval não interessa propriamente a técnica, mas a mensagem que pretende comunicar.
O episódio situa-se numa paisagem cujos elementos são apresentados em todas as iconografias desta cena. O mais importante é o rio Jordão. O profeta sobe ao céu quando se encontrava nas suas margens. Sugerem-no duas pequenas manchas azuladas, nos cantos esquerdo e direito da parte inferior da miniatura. Se bem repararmos, no ícone veem-se mesmo alguns peixes com a cabeça de fora. Isso basta para sabermos que é um rio.
A figura em terra é o profeta Eliseu, a quem o profeta Elias, que se encontra dentro da carroça, transmite a sua missão e os seus poderes taumatúrgicos. Que se trata de um carro de fogo é indicado simplesmente pelas chamas que crepitam no seu interior. O texto bíblico diz que também os cavalos eram de fogo mas o pintor prescindiu desse pormenor, supondo que todos nós conhecemos o relato do arrebatamento. No ícone, porém, eles encontram-se dentro da grande mancha vermelha que representa o fogo em turbilhão, trazido por um anjo, o mensageiro e executor das ordens divinas. Os cavalos têm asas. Isso significa que voam para o céu, é representado pelas estrelas, pela mão de Deus, que opera todas as maravilhas e por uns traços ondulantes que representam a luz do sol. Segundo a cosmologia medieval, Deus encontra-se no empíreo, acima de todas as esferas. Abaixo dele, por ordem decrescente, estão os círculos do Cristalino, do Firmamento, onde se encontram as estrelas que mantêm entre si uma posição firme (daí, firmamento), os círculos de Saturno, de Júpiter, de Marte, do Sol, de Vénus, de Mercúrio, da Lua e, no centro do sistema, a Terra. Por seu lado, na miniatura, a presença de Deus é apenas sugerida por uma pequena mancha vermelha, no canto superior direito, para onde o profeta dirige o olhar. Em todas as iconografias deste tema, o profeta é representado olhando para cima, isto é, para o céu. Para a imaginação humana, Deus e o céu estão lá no alto, por oposição ao demónio e aos infernos, que se encontram nos espaços inferiores, debaixo da Terra. O primeiro é o espaço da vida; o segundo, da morte.
Elemento importante da narrativa é o manto do profeta. Simboliza a sua dignidade e poder. Foi batendo com ele nas águas que o rio se abriu, permitindo a sua passagem, episódio que recorda os israelitas atravessando o Mar Vermelho, a pé enxuto. Na iluminura, o manto ainda escorrega do carro. Na outra iconografia, o profeta Eliseu puxa-o dos ombros de Elias, como se quisesse evitar a sua partida. Ficar com o manto dele significa herdar a sua missão e os seus poderes. Na iluminura, o profeta Elias apresenta nimbo, significando que é santo. O profeta Eliseu ainda não o ostenta porque ainda não começou a sua missão divina. No ícone, porém, ambos os profetas e o anjo têm nimbo dourado significando a santidade das três figuras.
Pormenor interessante é que, na iluminura, ambos apresentem a cabeça tonsurada, à maneira dos monges medievais. O iluminista pintou-os assim porque o profeta Elias é considerado o fundador da ordem dos monges carmelitas.

***


Para rematar este ciclo do profeta Elias, escolhi duas iconografias. A primeira é uma pintura de Giuseppe Angeli (Veneza, 1712-1798). Pintor do Barroco tardio, apresenta, neste quadro, as tonalidades suavemente luminosas da escola veneziana. Escolhi-o porque estabelece um forte contraste com a ingenuidade técnica da iluminura medieval e do ícone bizantino.
            Nota-se, imediatamente, o domínio da perspetiva. O pintor situa-se num plano inferior à cena. Além de nos dar a viva impressão de que o carro do profeta já voa no ar, permite a exibição do domínio técnico necessário para pintar figuras vistas de baixo. Recorde-se, a propósito, a mestria de Miguel Ângelo, na Capela Sistina, ou o virtuosismo de Andréa Pozzo, pintor jesuíta, especialmente na glorificação de Santo Inácio de Loiola que se encontra na igreja de Santo Inácio em Roma. Esta técnica permite abrir na pintura a dimensão do espaço superior. Além disso, e principalmente, a figura retratada a partir de um plano inferior adquire maior grandeza. O profeta era um gigante de Deus.
Elias apresenta as características habituais: ancião, barbas brancas e calva, olhando para o céu, envolto no largo manto que depois deixará ao profeta Eliseu que, em terra, levanta os braços em sinal de espanto ou suplicando que o seu mestre não o abandone. O carro está representado apenas por uma roda (atributo muito frequente nas escultura de Elias, juntamente com a espada flamígera). O fogo irrompe do carro, junto aos pés do profeta. A posição rompante dos cavalos, patas dianteiras erguidas, transmite a ideia de movimento vigoroso. As nuvens indicam que a cena acontece já no ar. Toda a composição é espetacular. A arte barroca é, essencialmente, espetáculo, movimento vigoroso. Nenhum elemento se encontra em posição estática. As próprias nuvens se abrem.
            Apresento, igualmente, uma das mais antigas representações da assunção do profeta Elias, esculpida na face lateral direita do túmulo em mármore dos Anicii, importante família romana. Os arqueólogos datam-no de finais do séc. IV (390-400). É um exemplo de como a arte paleocristã aproveita as formas e os símbolos da arte romana. É possível observar, no nicho da direita, definido por um arco de volta perfeita, a mão de Deus entregando as tábuas da lei a Moisés. O profeta Eliseu já segura o manto de Elias, que se encontra de pé, dentro do carro puxado por uma quadriga alada. Repare-se na semelhança da roda com a da pintura de Giuseppe Angeli. As vestes são carateristicamente romanas. Um dos elementos mais interessantes é a figura deitada no chão, com uma cana na mão esquerda, sob a qual se pode ver um cântaro donde flui água. É uma alegoria do rio Jordão, em cujas margens teve lugar a assunção de Elias. Era assim que a arte grega e romana e a arte de filiação clássica representava, alegoricamente, os rios e as fontes.