Catequeses e Cartas do Papa (temas carmelitanos)


CATEQUESE DO PAPA BENTO XVI SOBRE SANTO ELIAS, 15/07/2011.


Prezados irmãos e irmãs
Na história religiosa do antigo Israel, tiveram grande relevância os profetas com o seu ensinamento e a sua pregação. Entre eles, sobressai a figura de Elias, suscitado por Deus para levar o povo à conversão. O seu nome significa «o Senhor é o meu Deus» e é em sintonia com este nome que se desenvolve a sua vida, inteiramente consagrada a provocar no povo o reconhecimento do Senhor como único Deus. De Elias, o Ben Sirá diz: «Levantou-se depois o profeta Elias, ardoroso como o fogo; as suas palavras ardiam como uma tocha» (Ecli 48, 1). Com esta chama, Israel volta a encontrar o seu caminho para Deus. No seu ministério, Elias reza: invoca o Senhor para que restitua a vida ao filho de uma viúva que o tinha hospedado (cf. 1 Rs 17, 17-24), clama a Deus o seu cansaço e a sua angústia, enquanto foge para o deserto procurado pela rainha Jezabel que o queria matar (cf. 1 Rs 19, 1-4), mas é sobretudo no monte Carmelo que se mostra em todo o seu poder de intercessor quando, diante de todo o Israel, reza ao Senhor para que se manifeste e converta o coração do povo. É o episódio narrado no capítulo 18 do primeiro Livro dos Reis, sobre o qual hoje meditamos.
Encontramo-nos no reino do Norte, no século IX a.C., na época do rei Acab, num momento em que em Israele se tinha criado uma situação de sincretismo aberto. Além do Senhor, o povo adorava Baal, o ídolo tranquilizador do qual se acreditava que derivava o dom da chuva e ao qual, por isso, se atribuía o poder de dar fertilidade aos campos e vida aos homens e ao gado. Embora pretendesse seguir o Senhor, Deus invisível e misterioso, o povo procurava a segurança também num deus compreensível e previsível, do qual julgava que podia obter a fecundidade e a prosperidade, em troca de sacrifícios. Israele cedia à sedução da idolatria, a tentação contínua do crente, iludindo-se que podia «servir a dois senhores» (cf. Mt 6, 24; Lc 16, 13), e facilitar os caminhos impérvios da fé do Todo-Poderoso, depositando de novo a sua confiança também num deus impotente, feito pelos homens.
É precisamente para desmascarar a insensatez enganadora de tal atitude que Elias manda reunir o povo de Israel no monte Carmelo e que o põe diante da necessidade de fazer uma escolha: «Se o Senhor é Deus, segui-o, mas se é Baal, segui Baal» (1 Rs 18, 21). E o profeta, portador do amor de Deus, não deixa sozinho o seu povo perante esta escolha, mas ajuda-o, indicando-lhe o sinal que revelará a verdade: tanto ele como os profetas de Baal prepararão um sacrifício e rezarão, e o Deus verdadeiro manifestar-se-á, respondendo com o fogo que consumará o holocausto. Assim começa o confronto entre o profeta Elias e os seguidores de Baal, que na realidade está entre o Senhor de Israel, Deus de salvação e de vida, e o ídolo mudo e sem qualquer consistência, que nada pode, nem no bem nem no mal (cf. Jr 10, 5). E começa inclusive o confronto entre dois modos completamente diferentes de se dirigir a Deus e orar.
Com efeito, os profetas de Baal, clamam, agitam-se, dançam saltando, entram num estado de exaltação e chegam até a cortar-se «com espadas e lanças, até se cobrirem de sangue» (1 Rs 18, 28). Eles recorrem a si mesmos para interpelar o seu deus, confiando nas próprias capacidades para suscitar a sua resposta. Revela-se deste modo a realidade enganadora do ídolo: ele é pensado pelo homem como algo de que se pode dispor, que se pode gerir com as próprias forças, ao qual se pode aceder a partir de si mesmo e da própria força vital. A adoração do ídolo, em vez de abrir o coração humano à Alteridade, a uma relação libertadora que permita sair do espaço limitado do próprio egoísmo para aceder a dimensões de amor e de dom recíproco, fecha a pessoa no círculo exclusivo e desesperador da busca de si mesmo. E o engano é tal que, adorando o ídolo, o homem se encontra obrigado a gestos extremos, na tentativa ilusória de o submeter à própria vontade. Por isso, os profetas de Baal chegam a angustiar-se, a provocar feridas no corpo, com um gesto dramaticamente irónico: para ter uma resposta, um sinal de vida do seu deus, chegam a cobrir-se de sangue, e com ele simbolicamente de morte.
A atitude de oração de Elias, ao contrário, é muito diferente. Ele pede ao povo que se aproxime, envolvendo-o deste modo na sua acção e na sua súplica. A finalidade do desafio por ele dirigido aos profetas de Baal consistia em reconduzir para Deus o povo que se tinha perdido, seguindo os ídolos; por isso, ele quer que Israel se una a ele, tornando-se partícipe e protagonista da sua oração e daquilo que estava a acontecer. Depois, o profeta erige um altar utilizando, como o texto descreve, «doze pedras, segundo o número das doze tribos saídas dos filhos de Jacob, a quem o Senhor dissera: “Tu chamar-te-ás Israel”» (v. 31). Aquelas pedras representam todo o Israel, e constituem a memória tangível da história de eleição, de predilecção e de salvação, da qual o povo fora objecto. O gesto litúrgico de Elias tem um alcance decisivo; o altar é lugar sagrado que indica a presença do Senhor, mas aquelas pedras que o compõem representam o povo, que agora, graças à mediação do profeta, é colocado simbolicamente diante de Deus, tornando-se «altar», lugar de oferenda e de sacrifício.
Mas é necessário que o símbolo se torne realidade, que Israel reconheça o verdadeiro Deus e volte a encontrar a própria identidade de povo do Senhor. Por isso, Elias pede a Deus que se manifeste, e aquelas doze pedras, que deviam recordar a Israel a sua verdade, servem também para recordar ao Senhor a sua fidelidade, à qual o profeta se apela na oração. As palavras da sua invocação são densas de significado e de fé: «Senhor Deus de Abraão, de Isaac e de Israel, saibam todos hoje que sois o Deus de Israel, que eu sou vosso servo e que por vossa ordem fiz todas estas coisas. Ouvi-me, Senhor, ouvi-me: que este povo reconheça que vós, Senhor, sois Deus, e que sois vós que converteis os seus corações!» (vv. 36-37; cf. Gn 32, 36-37). Elias dirige-se ao Senhor, chamando-lhe Deus dos Pais, fazendo assim memória implícita das promessas divinas e da história de eleição e de aliança, que uniu indissoluvelmente o Senhor ao seu povo. O compromisso de Deus na história dos homens é tal que o seu Nome já está ligado de maneira inseparável ao dos Patriarcas, e o profeta pronuncia aquele Nome santo para que Deus se recorde e se mostre fiel, mas também a fim de que Israel se sinta chamado pelo nome e volte a encontrar a sua fidelidade. Com efeito, o título divino pronunciado por Elias parece um pouco surpreendente. Em vez de utilizar a fórmula habitual, «Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob», ele recorre a um apelativo menos comum: «Deus de Abraão, de Isaac e de Israel». A substituição do nome «Jacob» com «Israel» evoca a luta de Jacob no vau do Jaboc, com a troca do nome à qual o narrador faz uma referência explícita (cf. Gn 32, 31) e da qual falei numa das últimas catequeses. Tal substituição adquire um significado expressivo no contexto da invocação de Elias. O profeta reza pelo povo do reino do Norte, que se chamava precisamente Israel, distinto de Judá, que indicava o reino do Sul. E agora este povo, que parece ter esquecido a própria origem e a sua relação privilegiada com o Senhor, sente-se chamado pelo nome, enquanto é pronunciado o Nome de Deus, Deus do Patriarca e Deus do povo: «Senhor Deus [...] de Israel, saibam todos hoje que sois o Deus de Israel».
O povo pelo qual Elias reza é posto de novo diante da própria verdade, e o profeta pede que também a verdade do Senhor se manifeste e que Ele intervenha para converter Israel, dissuadindo-o do engano da idolatria e levando-o assim à salvação. O seu pedido é para que o povo enfim saiba, conheça de modo pleno quem é verdadeiramente o seu Deus, e faça a escolha decisiva de seguir só Ele, o Deus verdadeiro. Pois somente assim Deus é reconhecido por aquilo que é, Absoluto e Transcendente, sem a possibilidade de lhe pôr ao lado outros deuses, que O negariam como Absoluto, tornando-o relativo. Esta é a fé que faz de Israel o povo de Deus; trata-se da fé proclamada no conhecido texto do Shemá Israel: «Ouve, ó Israel! O Senhor, nosso Deus, é o único Senhor. Amarás ao Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, toda a tua alma e todas as tuas forças» (Dt 6, 4-5). Ao Absoluto de Deus, o fiel deve responder com um amor absoluto, total, que comprometa a sua vida inteira, as suas forças e o seu coração. E é precisamente para o coração do seu povo que o profeta, com a sua oração, implora a conversão: «Que este povo reconheça que vós, Senhor, sois Deus, e que sois vós que converteis os seus corações!» (1 Rs 18, 37). Com a sua intercessão, Elias pede a Deus o que o próprio Deus deseja realizar, manifestar-se em toda a sua misericórdia, fiel à sua realidade de Senhor da vida que perdoa, converte, transforma.
E é isto que acontece: «O fogo do Senhor baixou do céu e consumiu o holocausto, a lenha, as pedras, a poeira e até mesmo a água do sulco. Vendo isso, o povo prostrou-se com o rosto por terra, exclamando: “O Senhor é Deus! O Senhor é Deus!”» (vv. 38-39). O fogo, este elemento necessário e ao mesmo tempo terrível, ligado às manifestações divinas da sarça ardente e do Sinai, agora serve para assinalar o amor de Deus, que responde à oração e se revela ao seu povo. Baal, o deus mudo e impotente, não tinha respondido às invocações dos seus profetas; o Senhor, ao contrário, responde, e de modo inequívoco, não só consumindo o holocausto, mas até secando toda a água que tinha sido derramada em volta do altar. Israel já não pode ter dúvidas; a misericórdia divina veio ao encontro da sua debilidade, das suas dúvidas e da sua falta de fé. Agora Baal, o ídolo inútil, é derrotado, e o povo que parecia perdido voltou a achar o caminho da verdade e a encontrar-se a si mesmo.
Estimados irmãos e irmãs, o que nos diz, a nós, esta história do passado? Qual é o presente desta história? Em primeiro lugar está em questão a prioridade do primeiro mandamento: adorar unicamente a Deus. Onde Deus desaparece, o homem cai na escravidão de idolatrias, como mostraram, no nosso tempo, os regimes totalitários e como mostram também diversas formas de niilismo, que tornam o homem dependente de ídolos, de idolatrias, escravizando-o. Em segundo lugar, a finalidade primária da oração é a conversão: o fogo de Deus que transforma o nosso coração e nos torna capazes de ver Deus e, assim, de viver segundo Deus e de viver para o próximo. E o terceiro ponto: os Padres dizem-nos que também esta história de um profeta é profética, se — dizem — é sombra do porvir, do futuro Cristo; é um passo ao longo do caminho rumo a Cristo. E dizem-nos que aqui vemos o verdadeiro fogo de Deus: o amor que orienta o Senhor até à Cruz, até ao dom total de si mesmo. Então, a autêntica adoração de Deus consiste em dar-se a si próprio a Deus e aos homens, a verdadeira adoração é o amor. E a autêntica adoração de Deus não destrói, mas renova e transforma. Sem dúvida, o fogo de Deus, o fogo do amor consome, transforma e purifica, mas precisamente por isso não destrói mas, ao contrário, cria a verdade do nosso ser, volta a criar o nosso coração. E assim, realmente vivos pela graça do fogo do Espírito Santo, do amor de Deus, somos adoradores em espírito e em verdade. Obrigado



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CATEQUESE DO PAPA BENTO XVI SOBRE SANTA TERESA DE ÁVILA, 02/02/2011.


Queridos irmãos e irmãs:
Ao longo das catequeses que eu quis dedicar aos Padres da Igreja e a grandes figuras de teólogos e mulheres da Idade Média, pude falar sobre alguns santos e santas que foram proclamados Doutores da Igreja por sua eminente doutrina. Hoje, eu gostaria de começar com uma breve série de encontros para completar a apresentação dos Doutores da Igreja.
E iniciamos com uma santa que representa um dos cumes da espiritualidade cristã de todos os tempos: Santa Teresa de Jesus. Ela nasceu em Ávila, Espanha, em 1515, com o nome de Teresa de Ahumada. Em sua autobiografia, ela menciona alguns detalhes da sua infância: o nascimento "de pais virtuosos e tementes a Deus", em uma grande família, com nove irmãos e três irmãs. Ainda jovem, com pelo menos 9 anos, leu a vida dos mártires, que inspiram nela o desejo de martírio, tanto que chegou a improvisar uma breve fuga de casa para morrer como mártir e ir para o céu (cf. Vida 1, 4): "Eu quero ver Deus", disse a pequena aos seus pais. Alguns anos mais tarde, Teresa falou de suas leituras da infância e afirmou ter descoberto a verdade, que se resume em dois princípios fundamentais: por um lado, que "tudo o que pertence a este mundo passa"; por outro, que só Deus é para "sempre, sempre, sempre", tema que recupera em seu famoso poema: "Nada te perturbe, nada te espante; tudo passa, só Deus não muda. A paciência tudo alcança. Quem tem a Deus, nada lhe falta. Só Deus basta!". Ficando órfã aos 12 anos, pediu à Virgem Santíssima que fosse sua mãe (cf. Vida 1,7).
Se, na adolescência, a leitura de livros profanos a levou às distrações da vida mundana, a experiência como aluna das freiras agostinianas de Santa Maria das Graças, de Ávila, e a leitura de livros espirituais, em sua maioria clássicos da espiritualidade franciscana, ensinaram-lhe o recolhimento e a oração. Aos 20 anos de idade, entrou para o convento carmelita da Encarnação, sempre em Ávila. Três anos depois, ela ficou gravemente doente, tanto que permaneceu por quatro dias em coma, aparentemente morta (cf. Vida 5, 9). Também na luta contra suas próprias doenças, a santa vê o combate contra as fraquezas e resistências ao chamado de Deus. Escreve: "Eu desejava viver porque compreendia bem que não estava vivendo, mas estava lutando com uma sombra de morte, e não tinha ninguém para me dar vida, e nem eu poderia tomá-la, e Aquele que podia dá-la a mim, estava certo em não me socorrer, dado que tantas vezes me voltei contra Ele, e eu o havia abandonado" (Vida 8, 2). Em 1543, ela perdeu a proximidade da sua família: o pai morre e todos os seus irmãos, um após o outro, migram para a América. Na Quaresma de 1554, aos 39 anos, Teresa chega o topo de sua luta contra suas próprias fraquezas. A descoberta fortuita de "um Cristo muito ferido" marcou profundamente a sua vida (cf. Vida 9). A santa, que naquele momento sente profunda consonância com o Santo Agostinho das "Confissões", descreve assim a jornada decisiva da sua experiência mística: "Aconteceu que...de repente, experimentei um sentimento da presença de Deus, que não havia como duvidar de que estivesse dentro de mim ou de que eu estivesse toda absorvida n'Ele" (Vida 10, 1). Paralelamente ao amadurecimento da sua própria interioridade, a santa começa a desenvolver, de forma concreta, o ideal de reforma da Ordem Carmelita: em 1562, funda, em Ávila, com o apoio do bispo da cidade, Dom Álvaro de Mendoza, o primeiro Carmelo reformado, e logo depois recebe também a aprovação do superior geral da Ordem, Giovanni Battista Rossi. Nos anos seguintes, continuou a fundação de novos Carmelos, um total de dezessete. Foi fundamental seu encontro com São João da Cruz, com quem, em 1568, constituiu, em Duruelo, perto de Ávila, o primeiro convento das Carmelitas Descalças. Em 1580, recebe de Roma a ereção a Província Autônoma para seus Carmelos reformados, ponto de partida da Ordem Religiosa dos Carmelitas Descalços. Teresa termina sua vida terrena justamente enquanto está se ocupando com a fundação.
Em 1582, de fato, tendo criado o Carmelo de Burgos e enquanto fazia a viagem de volta a Ávila, ela morreu, na noite de 15 de outubro, em Alba de Tormes, repetindo humildemente duas frases: "No final, morro como filha da Igreja" e "Chegou a hora, Esposo meu, de nos encontrarmos". Uma existência consumada dentro da Espanha, mas empenhada por toda a Igreja. Beatificada pelo Papa Paulo V, em 1614, e canonizada por Gregório XV, em 1622, foi proclamada "Doutora da Igreja" pelo Servo de Deus Paulo VI, em 1970. Teresa de Jesus não tinha formação acadêmica, mas sempre entesourou ensinamentos de teólogos, literatos e mestres espirituais. Como escritora, sempre se ateve ao que tinha experimentado pessoalmente ou visto na experiência de outros (cf. Prefácio do "Caminho de Perfeição"), ou seja, a partir da experiência. Teresa consegue tecer relações de amizade espiritual com muitos santos, especialmente com São João da Cruz. Ao mesmo tempo, é alimentada com a leitura dos Padres da Igreja, São Jerônimo, São Gregório Magno, Santo Agostinho. Entre suas principais obras, deve ser lembrada, acima de tudo, sua autobiografia, intitulada "Livro da Vida", que ela chama de "Livro das Misericórdias do Senhor". Escrito no Carmelo de Ávila, em 1565, conta o percurso biográfico e espiritual, por escrito, como diz a própria Teresa, para submeter a sua alma ao discernimento do "Mestre dos espirituais", São João de Ávila. O objetivo é manifestar a presença e a ação de um Deus misericordioso em sua vida: Para isso, a obra muitas vezes inclui o diálogo de oração com o Senhor. É uma leitura fascinante, porque a santa não apenas narra, mas mostra reviver a profunda experiência do seu amor com Deus. Em 1566, Teresa escreveu o "Caminho da perfeição", chamado por ela de "Admoestações e conselhos" que dava às suas religiosas. As destinatárias são as doze noviças do Carmelo de São José, em Ávila. Teresa lhes propõe um intenso programa de vida contemplativa ao serviço da Igreja, em cuja base estão as virtudes evangélicas e a oração. Entre os trechos mais importantes, destaca-se o comentário sobre o Pai Nosso, modelo de oração. A obra mística mais famosa de Santa Teresa é o "Castelo Interior", escrito em 1577, em plena maturidade. É uma releitura do seu próprio caminho de vida espiritual e, ao mesmo tempo, uma codificação do possível desenvolvimento da vida cristã rumo à sua plenitude, a santidade, sob a ação do Espírito Santo. Teresa refere-se à estrutura de um castelo com sete "moradas", como imagens da interioridade do homem, introduzindo, ao mesmo tempo, o símbolo do bicho da seda que renasce em uma borboleta, para expressar a passagem do natural ao sobrenatural. A santa se inspira na Sagrada Escritura, especialmente no "Cântico dos Cânticos", para o símbolo final dos "dois esposos", que permite descrever, na sétima "morada", o ápice da vida cristã em seus quatro aspectos: trinitário, cristológico, antropológico e eclesial. À sua atividade fundadora dos Carmelos reformados, Teresa dedica o "Livro das fundações", escrito entre 1573 e 1582, no qual fala da vida do nascente grupo religioso. Como na autobiografia, a história é dedicada principalmente a evidenciar a ação de Deus na fundação dos novos mosteiros.
Não é fácil resumir em poucas palavras a profunda e complexa espiritualidade teresiana. Podemos citar alguns pontos-chave. Em primeiro lugar, Santa Teresa propõe as virtudes evangélicas como base da vida cristã e humana: em particular, o desapego dos bens ou a pobreza evangélica (e isso diz respeito a todos nós); o amor de uns aos outros como elemento essencial da vida comunitária e social; a humildade e o amor à verdade; a determinação como resultado da audácia cristã; a esperança teologal, que descreve como sede de água viva. Sem esquecer das virtudes humanas: afabilidade, veracidade, modéstia, cortesia, alegria, cultura. Em segundo lugar, Santa Teresa propõe uma profunda sintonia com os grandes personagens bíblicos e a escuta viva da Palavra de Deus. Ela se sente em consonância sobretudo com a esposa do "Cântico dos Cânticos", com o apóstolo Paulo, além de com o Cristo da Paixão e com Jesus Eucarístico.
A santa enfatiza, depois, quão essencial é a oração: rezar significa "tratar de amizade com Deus, estando muitas vezes tratando a sós com quem sabemos que nos ama" (Vida 8, 5). A ideia de Santa Teresa coincide com a definição que São Tomás Aquino dá da caridade teologal, como amicitia quaedam hominis ad Deum, uma espécie de amizade entre o homem e Deus, quem primeiro ofereceu sua amizade ao homem (Summa Theologiae II-ΙI, 23, 1). A iniciativa vem de Deus. A oração é vida e se desenvolve gradualmente, em sintonia com o crescimento da vida cristã: começa com a oração vocal, passa pela interiorização, através da meditação e do recolhimento, até chegar à união de amor com Cristo e com a Santíssima Trindade. Obviamente, este não é um desenvolvimento no qual subir degraus significa abandonar o tipo de oração anterior, mas um gradual aprofundamento da relação com Deus, que envolve toda a vida. Mais que uma pedagogia da oração, a de Teresa é uma verdadeira "mistagogia": ela ensina o leitor de suas obras a rezar, rezando ela mesma com ele; frequentemente, de fato, interrompe o relato ou a exposição para fazer uma oração.
Outro tema caro à santa é a centralidade da humanidade de Cristo. Para Teresa, na verdade, a vida cristã é uma relação pessoal com Jesus que culmina na união com Ele pela graça, por amor e por imitação. Daí a importância que ela atribui à meditação da Paixão e à Eucaristia, como presença de Cristo na Igreja, para a vida de cada crente e como coração da liturgia. Santa Teresa vive um amor incondicional à Igreja: ela manifesta um vivo sensus Ecclesiae frente a episódios de divisão e conflito na Igreja do seu tempo. Reforma a Ordem Carmelita com a intenção de servir e defender melhor a "Santa Igreja Católica Romana" e está disposta a dar sua vida por ela (cf. Vida 33, 5).
Um último aspecto fundamental da doutrina de Teresa que eu gostaria de sublinhar é a perfeição, como aspiração de toda vida cristã e sua meta final. A Santa tem uma ideia muito clara da "plenitude" de Cristo, revivida pelo cristão. No final do percurso do "Castelo Interior", na última "morada", Teresa descreve a plenitude, realizada na inabitação da Trindade, na união com Cristo mediante o mistério da sua humanidade.
Queridos irmãos e irmãs, Santa Teresa de Jesus é uma verdadeira mestra de vida cristã para os fiéis de todos os tempos. Em nossa sociedade, muitas vezes desprovida de valores espirituais, Santa Teresa nos ensina a ser incansáveis testemunhas de Deus, da sua presença e da sua ação; ensina-nos a sentir realmente essa sede de Deus que existe em nosso coração, esse desejo de ver Deus, de buscá-lo, de ter uma conversa com Ele e de ser seus amigos. Esta é a amizade necessária para todos e que devemos buscar, dia após dia, novamente.
Que o exemplo desta santa, profundamente contemplativa e eficazmente laboriosa, também nos encoraje a dedicar a cada dia o tempo adequado à oração, a esta abertura a Deus, a este caminho de busca de Deus, para vê-lo, para encontrar a sua amizade e, por conseguinte, a vida verdadeira; porque muitos de nós deveríamos dizer: "Eu não vivo, não vivo realmente, porque não vivo a essência da minha vida". Porque este tempo de oração não é um tempo perdido, é um tempo no qual se abre o caminho da vida; abre-se o caminho para aprender de Deus um amor ardente a Ele e à sua Igreja; e uma caridade concreta com nossos irmãos. Obrigado.

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CATEQUESE DO PAPA BENTO XVI SOBRE SÃO JOÃO DA CRUZ, 16/02/2011.



Queridos irmãos e irmãs:

Há duas semanas, apresentei a figura da grande mística espanhola Teresa de Jesus. Hoje, eu gostaria de falar sobre outro importante santo dessa terra, amigo espiritual de Santa Teresa, reformador, ao lado de sua família religiosa carmelita: São João da Cruz, proclamado Doutor da Igreja pelo Papa Pio XI, em 1926, a quem a tradição apelidou de Doctor mysticus, "Doutor místico".
João da Cruz nasceu em 1542, na pequena cidade de Fontiveros, perto de Ávila, em Castilla la Vieja, filho de Gonzalo de Yepes e Catalina Álvarez. Sua família era muito pobre, porque o pai, de origem nobre de Toledo, tinha sido expulso de casa e deserdado por ter se casado com Catalina, uma humilde tecelã de seda. Órfão de pai em tenra idade, João, aos 9 anos, mudou-se, com sua mãe e seu irmão Francisco, a Medina del Campo, perto de Valladolid, centro comercial e cultural. Lá, frequentou o Colegio de los Doctrinos, além de realizar trabalhos humildes para as freiras da igreja-convento de Madeleine. Posteriormente, dadas as suas qualidades humanas e seu desempenho na escola, foi admitido inicialmente como enfermeiro no Hospital de la Concepción, e mais tarde no Colégio dos Jesuítas, fundado em Medina del Campo: João entrou aos 18 anos e estudou, durante três anos, humanidades, retórica e línguas clássicas. No final da sua formação, teve muito clara sua própria vocação: a vida religiosa e, entre as muitas ordens presentes em Medina, sentiu-se chamado ao Carmelo.
No verão de 1563, iniciou o noviciado entre as Carmelitas da cidade, tomando o nome religioso de Matias. No ano seguinte, foi destinado à prestigiada Universidade de Salamanca, onde estudou por três anos filosofia e artes. Em 1567, foi ordenado sacerdote e voltou para Medina del Campo para celebrar sua primeira Missa, cercado pelo amor de sua família. E foi precisamente lá que teve lugar o primeiro contato entre João e Teresa de Jesus. O encontro foi crucial para ambos: Teresa explicou seu plano de reforma do Carmelo, também no ramo masculino, e sugeriu a João que se unisse a ela "para maior glória de Deus"; o jovem padre ficou fascinado pelas ideias de Teresa, chegando a se tornar um grande apoio para o projeto. Os dois trabalharam juntos alguns meses, compartilhando ideais e propostas para inaugurar, o mais breve possível, a primeira casa dos Carmelitas Descalços: a abertura ocorreu em 28 de dezembro de 1568, em Duruelo, lugar solitário da província de Ávila. Com João, formavam esta primeira comunidade masculina outros três companheiros. Ao renovar sua profissão religiosa segundo a Regra primitiva, os quatro adotaram um novo nome: João foi chamado "da Cruz", nome com o qual seria depois universalmente conhecido. No final de 1572, a pedido de Santa Teresa, tornou-se confessor e vigário do mosteiro da Encarnação, em Ávila, onde a santa era priora. Foram anos de estreita colaboração e amizade espiritual, que enriqueceu ambos. Desse período datam também as mais importantes obras teresianas e os primeiros escritos de João.
A adesão à reforma carmelita não foi fácil e custou a João inclusive graves sofrimentos. O episódio mais dramático foi, em 1577, sua captura e reclusão no convento dos Carmelitas da Antiga Observância de Toledo, devido a uma acusação injusta. O santo permaneceu na prisão por seis meses, sujeito a privações e constrições físicas e morais. Aqui ele compôs, juntamente com outros poemas, o famoso "Cântico Espiritual". Finalmente, na noite entre 16 e 17 de agosto de 1578, conseguiu fugir de maneira arriscada, refugiando-se no mosteiro das Carmelitas Descalças da cidade. Santa Teresa e seus companheiros reformados comemoraram sua libertação com imensa alegria e, após um curto período de tempo para recuperar as forças, João foi destinado a Andaluzia, onde passou dez anos em vários mosteiros, especialmente em Granada. Assumiu cargos cada vez mais importantes na Ordem, até se tornar Vigário Provincial, e completou a redação de seus tratados espirituais. Depois, ele voltou para sua terra natal, como membro do governo geral da família religiosa teresiana, que já gozava de plena autonomia legal. Morou no Carmelo de Segóvia, desempenhando o cargo de superior daquela comunidade. Em 1591, teve de deixar todas as responsabilidades, pois foi destinado à nova província religiosa do México. Enquanto se preparava para a longa viagem com outros dez companheiros, retirou-se a um mosteiro solitário, perto de Jaén, onde ficou gravemente doente. João enfrentou enormes sofrimentos com paciência e serenidade exemplares. Morreu na noite entre 13 e 14 de dezembro de 1591, enquanto seus irmãos recitavam o ofício matutino. Ele se despediu deles dizendo: "Hoje vou cantar o ofício no céu". Seus restos mortais foram transferidos para Segóvia. Foi beatificado por Clemente X, em 1675, e canonizado por Bento XIII, em 1726.
João é considerado um dos maiores poetas líricos da literatura espanhola. Suas principais são "Subida ao Monte Carmelo", "Noite escura da alma", "Cântico Espiritual" e "Chama viva de amor".
No "Cântico Espiritual", São João apresenta o caminho de purificação da alma, ou seja, a progressiva possessão gozosa de Deus, até que a alma chegue a sentir que ama a Deus com o mesmo amor com que é amada por Ele. A "Chama viva de amor" continua nesta perspectiva, descrevendo mais detalhadamente o estado de união transformadora com Deus. O exemplo utilizado por João é sempre o do fogo, que quanto mais arde e consome a lenha, mais se torna incandescente, até converter-se em chama: assim é o Espírito Santo, que, durante a noite escura, purifica e "limpa" a alma e, ao longo do tempo, a ilumina e esquenta como se fosse uma chama. A vida da alma é uma contínua festa do Espírito Santo, que permite entrever a glória da união com Deus na eternidade.
A "Subida ao Monte Carmelo" apresenta o itinerário espiritual do ponto de vista da purificação progressiva da alma, necessária para escalar o cume da perfeição cristã, simbolizada pelo cume do Monte Carmelo. Esta purificação é proposta como um caminho que o homem empreende, em colaboração com a ação divina, para libertar a alma de todo apego ou afeto contrário à vontade de Deus. A purificação, que, para alcançar a união de amor com Deus, deve ser total, começa na via dos sentidos e prossegue com aquela que se obtém pelas três virtudes teologais: fé, esperança e caridade, que purificam a intenção, a memória e a vontade.
A "Noite escura", descreve o aspecto "passivo", ou seja, a intervenção de Deus no processo de "purificação" da alma. O esforço humano, de fato, por si só é incapaz de chegar às raízes profundas das más inclinações e maus costumes da pessoa: pode freá-las, mas não desenraizá-las totalmente. Para fazê-lo, é necessária a ação especial de Deus, que purifica radicalmente o espírito e o dispõe para a união de amor com Ele. São João define esta purificação como "passiva", justamente porque, mesmo que aceita pela alma, é realizada pela ação misteriosa do Espírito Santo, que, como uma chama de fogo, consome toda impureza. Neste estado, a alma está sujeita a todo tipo de provas, como se estivesse em uma noite escura.
Estas indicações sobre as principais obras do santo nos ajudam a chegar mais perto dos pontos sobressalentes de sua vasta e profunda doutrina mística, que tem como objetivo descrever um caminho seguro para chegar à santidade - o estado de perfeição ao qual Deus chama todos nós. De acordo com João da Cruz, tudo o que existe, criado por Deus, é bom. Através das criaturas, podemos chegar à descoberta d'Aquele que deixou nelas seu selo. A fé, porém, é a única fonte dada ao homem para conhecer a Deus como Ele é em si mesmo, como o Deus Uno e Trino. Tudo o que Deus queria comunicar ao homem, já disse em Jesus Cristo, o Verbo feito carne. Ele, Jesus Cristo, é o caminho único e definitivo até o Pai (cf. Jo 14,6). Qualquer coisa criada não é nada comparada com Deus e nada vale fora d'Ele; por conseguinte, para alcançar o amor perfeito de Deus, qualquer outro amor deve ser conformado, em Cristo, ao amor divino. Daí a insistência de São João da Cruz na necessidade da purificação e do esvaziamento interior para transformar-se em Deus, que é a única meta da perfeição. Esta "purificação" não é mera ausência física de coisas ou de sua utilização; o que torna a alma pura e livre, na verdade, é eliminar toda a dependência desordenada das coisas. Tudo deve ser colocado em Deus como centro e fim da vida. O longo e laborioso processo de purificação exige esforço pessoal, mas o verdadeiro protagonista é Deus: tudo que o homem pode fazer é "dispor-se" para estar aberto à ação divina e não colocar obstáculos a ela. Vivendo as virtudes teologais, o homem se eleva e dá valor ao seu próprio esforço. O ritmo de crescimento da fé, da esperança e da caridade segue o ritmo do trabalho de purificação e da progressiva união com Deus, até transformar-se n'Ele. Quando se alcança este objetivo, a alma mergulha na própria vida trinitária, de forma que São João diz que esta chega a amar a Deus com o mesmo amor com que Ele ama, porque a ama no Espírito Santo. Assim, o Doutor Místico sustenta que não há verdadeira união de amor com Deus se não culminar com a união trinitária. Neste estado supremo, a alma santa conhece tudo em Deus e já não deve passar pelas criaturas para chegar a Ele. A alma já se sente inundada pelo amor divino e regozija-se totalmente nele.
Queridos irmãos e irmãs, no final, a pergunta que não quer calar: este santo, com sua alta mística, com esse árduo caminho até o cume da perfeição, tem algo a dizer a nós, ao cristão normal que vive nas circunstâncias da vida hoje, ou é um exemplo, um modelo somente para algumas almas escolhidas que podem realmente empreender este caminho da purificação, da ascensão mística? Para encontrar a resposta, devemos primeiro observar que a vida de São João da Cruz não era um "voar pelas nuvens místicas", senão que foi uma vida dura, muito prática e concreta, tanto como reformador da ordem, onde encontrou muitas oposições, quanto como superior provincial, ou na prisão dos seus irmãos na religião, onde foi exposto a insultos incríveis e agressões físicas. Foi uma vida dura, mas precisamente nos últimos meses na prisão, ele escreveu uma de suas obras mais belas. E assim entendemos que o caminho com Cristo, esse ir com Cristo, "o Caminho", não é um peso adicional à carga já bastante difícil da nossa vida; não é algo que tornaria ainda mais pesado este fardo, e sim algo completamente diferente, é uma luz, uma força que nos ajuda a carregar esse peso. Se um homem tem em si um grande amor, este amor quase lhe dá asas, e então suporta mais facilmente todos os aborrecimentos da vida, porque carrega dentro de si esta grande luz; esta é a fé: ser amado por Deus e deixar-se amar por Deus em Cristo Jesus. Esse deixar-se amar é a luz que nos ajuda a carregar o peso de cada dia. E a santidade não é obra nossa, muito difícil, mas é precisamente esta "abertura": abrir as janelas da nossa alma para que a luz de Deus possa entrar; não esquecer de Deus, porque precisamente na abertura à sua luz, encontramos força, a alegria dos redimidos. Oremos ao Senhor para que nos ajude a encontrar esta santidade, para que nos ajude a deixar-nos amar por Deus, já que esta é a vocação de todos nós e a verdadeira redenção. Obrigado.

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CATEQUESE DO PAPA BENTO XVI SOBRE SANTA TERSINHA DO MENINO JESUS, 06/03/2011. 


Queridos irmãos e irmãs:
Hoje eu gostaria de vos falar de Santa Teresa de Lisieux, Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face, que viveu neste mundo apenas 24 anos, no final do século XIX, levando uma vida simples e oculta, mas que depois de sua morte e da publicação dos seus escritos, tornou-se uma das santas mais conhecidas e amadas. A "pequena Teresa" não deixou de ajudar as almas mais simples, os pequenos, os pobre, os que sofrem e os que rezam a ela, mas também iluminou toda a Igreja, com sua profunda doutrina espiritual, tanto assim que o Venerável João Paulo II, em 1997, quis dar-lhe o título de Doutora da Igreja, acrescentando o título de Padroeira das Missões, dado por Pio XI, em 1939. Meu querido predecessor a definiu como uma "especialista na ‘scientia amoris'" (‘Novo Millennio ineunte', 27). Esta ciência, que vê brilhar no amor toda a verdade da fé, Teresa a expressa principalmente no relato da sua vida, publicado um ano após a sua morte com o título de "História de uma alma". É um livro que foi de imediato um enorme sucesso; foi traduzido para muitas línguas e distribuído em todo o mundo. Eu gostaria de convidar-vos a redescobrir este pequeno-grande tesouro, este luminoso comentário do Evangelho plenamente vivido! "História de uma alma", de fato, é uma maravilhosa história de amor, contada com tal autenticidade, simplicidade e frescor, que o leitor não pode deixar de ficar fascinado! No entanto, qual é esse amor que preencheu a vida de Teresa, desde a infância até sua morte? Queridos amigos, este amor tem um rosto, tem um nome, é Jesus! A santa fala continuamente de Jesus. Percorramos, então, as grandes etapas de sua vida, para entrar no coração de sua doutrina.
Teresa nasceu em 2 de janeiro de 1873, em Alençon, uma cidade da Normandia, na França. Foi a última filha de Louis e Zelie Martin, esposos e pais exemplares, beatificado os dois em 19 de outubro de 2008. Eles tiveram 9 filhos, dos quais 4 morreram na infância. Restaram 5 filhas, que se tornaram todas religiosas. Teresa, aos 4 anos, foi profundamente afetada pela morte de sua mãe (Ms A, 13r). O pai, com as filhas, mudou-se então para a cidade de Lisieux, onde se desenvolveu toda a vida da santa. Mais tarde, Teresa, sofrendo uma doença nervosa grave, curou-se devido a uma graça divina, que ela definiu como "o sorriso de Nossa Senhora" (ibid., 29v-30v). Recebeu a Primeira Comunhão, vivida intensamente (ibid., 35r), e colocou Jesus Eucaristia no centro da sua existência.
A "Graça do Natal" de 1886 marcou o ponto de inflexão, o que ela chamou de "conversão completa" (ibid., 44v-45r). De fato, ela se curou totalmente de sua hipersensibilidade infantil e iniciou um "caminho de gigante". Na idade de 14 anos, Teresa aproximou-se cada vez mais, com muita fé, de Jesus Crucificado, e levou muito a sério o caso, aparentemente desesperado, de um criminoso condenado à morte e impenitente (ibid., 45v-46v). "Eu queria a todo custo evitar que ele fosse para o inferno", escreveu a santa, com a certeza de que a sua oração o teria colocado em contato com o sangue redentor de Jesus. É sua primeira e fundamental experiência da maternidade espiritual: "Tão confiante estava na infinita misericórdia de Jesus", escreveu. Com Maria Santíssima, a jovem Teresa ama, crê e espera, com "um coração de mãe" (cf. PR 6/10r).
Em novembro de 1887, Teresa vai em peregrinação a Roma, com seu pai e sua irmã Celina (ibid., 55v-67r). Para ela, o momento culminante foi a audiência do Papa Leão XIII, a quem pede permissão para entrar, com apenas 15 anos, no Carmelo de Lisieux. Um ano depois, seu desejo foi realizado: ela se torna carmelita, para "salvar almas e rezar pelos sacerdotes" (ibid., 69v). Ao mesmo tempo, começou a dolorosa e humilhante doença mental de seu pai. É um grande sofrimento que leva Teresa à contemplação do Rosto de Jesus em sua Paixão (ibid., 71rv).
Assim, seu nome religioso - Irmã Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face - expressa o programa de toda a sua vida, na comunhão com os mistérios centrais da Encarnação e da Redenção. Sua profissão religiosa, na festa da Natividade de Maria, em 8 de setembro de 1890, é para ela um verdadeiro matrimônio espiritual, na "pequenez" do Evangelho, que se caracteriza pelo símbolo da flor: "Que festa bonita a Natividade de Maria para me tornar a esposa de Jesus!", escreve. Era a pequena Virgem Santa de um dia que apresentava sua pequena flor ao Menino Jesus (ibid., 77r). Para Teresa, ser religiosa significa ser esposa de Jesus e mãe das almas (cf. Ms B, 2v). No mesmo dia, a santa escreveu uma frase que mostra a orientação da sua vida: pede a Jesus o dom do seu amor infinito, de ser a menor e, especialmente, pede a salvação de todos os homens: "Que nenhuma alma se condene hoje" (Pr 2). De grande importância é a seu Ato de Oferta ao Amor Misericordioso, feito na Festa da Santíssima Trindade em 1985 (Ms A, 83v-84r; Pr 6): uma oferta que Teresa partilhou com suas irmãs, sendo já auxiliar da mestra de noviças.
Dez anos após a "Graça do Natal", em 1896, chega a "Graça da Páscoa", que abre o último período da vida de Teresa, com o início da sua paixão profundamente unida à Paixão de Jesus; trata-se da Paixão do corpo, com a doença que a levou à morte através de grandes sofrimentos, mas acima de tudo se trata da paixão da alma, com uma muito dolorosa prova de fé (Ms C, 4v-7v). Com Maria, junto à cruz de Jesus, Teresa vive agora a fé mais heroica, como luz nas trevas que invadem a sua alma. A carmelita tem a consciência de viver esta grande prova para a salvação de todos os ateus do mundo moderno, chamados por ela de "irmãos". Ela viveu, então, mais intensamente o amor fraterno (8r-33v): com as irmãs de sua comunidade, com seus irmãos espirituais missionários, com os sacerdotes e com todos os homens, especialmente aqueles mais distantes. Ela se torna uma "irmã universal"! Sua caridade amável e sorridente é a expressão da profunda alegria cujo segredo ela nos revela: "Jesus, minha alegria é amar-te" (P 45/7). Neste contexto de sofrimento, vivendo o maior amor nas menores coisas da vida cotidiana, a santa leva a pleno cumprimento a sua vocação de ser o amor no Coração da Igreja (cf. Ms B, 3v).
Teresa morreu na noite de 30 de setembro de 1897, dizendo as palavras simples: "Meu Deus, eu te amo!", olhando para o crucifixo, que apertava com as mãos. Estas últimas palavras da santa são a chave de todos os seus ensinamentos, da sua interpretação do Evangelho. O ato de amor, expresso em seu último suspiro, era como a respiração contínua da sua alma, como o bater do seu coração. As simples palavras "Jesus, eu te amo" são o centro de todos os seus escritos. O ato de amor a Jesus a introduz na Santíssima Trindade. Ela escreveu: "Ah, tu sabes, divino Jesus, eu te amo,/ o espírito de Amor inflama-me com seu fogo /e, amando-te, eu atraio o Pai" (P 17/2).
Queridos amigos, também nós, com Santa Teresinha do Menino Jesus, podemos repetir cada dia ao Senhor, que queremos viver de amor a Ele e aos outros, aprender na escola do santos a amar de maneira autêntica e total. Teresa é um dos "pequenos" do Evangelho, que são guiados por Deus nas profundezas do seu mistério. Uma guia para todos, especialmente para os que, no povo de Deus, desenvolvem o ministério de teólogos. Com a humildade e a fé, caridade e esperança, Teresa entra continuamente no coração das Sagradas Escrituras, que contêm o mistério de Cristo. E essa leitura da Bíblia, alimentada pela ciência do amor, não se opõe à ciência acadêmica. A ciência dos santos, de fato, da qual ela fala na última página de "História de uma alma", é a ciência mais alta: "Todos os santos a entenderam; em particular, talvez, aqueles que encheram o universo com a irradiação do ensinamento do Evangelho. Não será, talvez, por meio da oração, que os santos Paulo, Agostinho, João da Cruz, Tomás de Aquino, Francisco, Domingos e muitos outros ilustres amigos de Deus obtiveram essa ciência divina que encanta os maiores gênios?" (Ms C, 36r). Inseparável do Evangelho, a Eucaristia é, para Teresa, o sacramento do Amor Divino que desce até o extremo para elevar-nos até Ele. Em sua última carta, a santa escreveu estas simples palavras sobre a imagem que representa o Jesus Menino na Hóstia consagrada: "Não posso temer um Deus que por mim tornou-se tão pequeno! (...) Eu o amo! De fato, Ele é só Amor e Misericórdia!" (LT 266).
No Evangelho, Teresa descobre sobretudo a misericórdia de Jesus, a ponto de dizer: "Ele me deu sua misericórdia infinita; através dela contemplo e adoro a demais perfeições divinas! (...) E então todas me parecem radiantes de amor; a própria justiça (e talvez mais do que qualquer outra), parece-me revestida de amor" (Ms A, 84r). Assim se expressa também nas últimas linhas da "História de uma alma": "Basta folhear o Santo Evangelho e imediatamente respiro o perfume da vida de Jesus e sei para onde correr... Não é ao primeiro lugar, mas ao último que me dirijo... Sim, eu o sinto; inclusive se tivesse sobre a consciência todos os pecados que se podem cometer, iria com o coração partido de arrependimento lançar-me nos braços de Jesus, porque sei o quanto Ele ama o filho pródigo que retorna a Ele" (Ms C, 36v-37r). "Confiança e amor" são, portanto, o ponto final do relato da sua vida, duas palavras que, como faróis, iluminaram todo o seu caminho de santidade, para poder guiar no seu próprio "pequeno caminho de confiança e amor", da infância espiritual (cf. Ms C, 2v-3r; LT 226). Confiança como a da criança que se abandona nas mãos de Deus, inseparável pelo compromisso forte, radical do verdadeiro amor, que é o dom total de si mesmo, para sempre, como diz a santa, contemplando Maria: "Amar é dar tudo, é dar a si mesmo" (P 54/22). Assim, Teresa indica a todos nós que a vida cristã consiste em viver em plenitude a graça do Batismo, no dom total de si ao amor do Pai, para viver como Cristo, no fogo do Espírito Santo, o seu próprio amor aos outros.

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MENSAGEM DO PAPA BENTO XVI
AO PRIOR-GERAL DA ORDEM
DOS IRMÃOS DA BEM-AVENTURADA
VIRGEM MARIA DO MONTE CARMELO
 
 
Ao Reverendíssimo Padre JOSEPH CHALMERS
Prior-Geral da Ordem dos Irmãos da Bem-Aventurada
Virgem Maria do Monte Carmelo
Estou feliz por saber que esta antiga e ilustre Ordem se prepara para celebrar no mês de Setembro o seu Capítulo Geral, por ocasião do oitavo centenário da entrega por parte de Santo Alberto, Patriarca de Jerusalém (1205-1214), da formula vitae, na qual se inspiram os eremitas latinos que se estabeleceram "ao lado da Fonte no Monte Carmelo" (Regra carmelita, 1). Trata-se do primeiro reconhecimento por parte da Igreja deste grupo de homens, que deixaram tudo para viver ao serviço de Jesus Cristo, imitando os exemplos sublimes da Bem-Aventurada Virgem Maria e do Profeta Elias. O iter canónico concluiu-se com alguns emendamentos, aos quais seguiu em 1247 a aprovação da Regra pelo meu Predecessor, o Papa Inocêncio IV.
Por uma feliz coincidência, este ano a Ordem Carmelita vive também outras circunstâncias sentidas como momentos de graça: o sétimo centenário do pio trânsito de Santo Alberto de Trapani, chamado Pater Ordinis, e o quarto centenário da entrada na vida eterna de Santa Maria Madalena de' Pazzi, a Serafina do Carmelo. Portanto, para mim é motivo de íntima alegria poder exprimir a minha participação na intensa experiência espiritual que a Família carmelita viverá por ocasião do Capítulo.
Os primeiros Carmelitas estabeleceram-se no Monte Carmelo porque acreditavam no amor de Deus, o qual amou de tal modo o mundo que lhe deu o seu Filho único (cf. Jo 3, 16). Ao acolher o domínio de Cristo sobre as suas vidas, eles tornaram-se disponíveis a ser transformados pelo Seu amor. É esta a escolha de fundo diante da qual está colocado cada cristão. Na minha primeira Encíclica dei realce a isto: "Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo" (Deus caritas est, 1). Se este desafio vale para todos os cristãos, mormente se deve sentir interpelado o carmelita, cuja vocação é a subida ao monte da perfeição!
Sabemos, contudo, que não é fácil viver fielmente esta chamada. Num certo sentido, é preciso proteger-se com algumas armaduras das insídias do mundo. Recorda-nos também a Regra carmelita: "os lados devem ser cingidos com o cinto de castidade; o peito deve ser fortificado com pensamentos santos, pois está escrito: "o pensamento santo tornar-te-á incólume". É preciso vestir a couraça da justiça, de modo que possais amar o Senhor vosso Deus com todo o coração, com toda a alma e com toda a força, e o vosso próximo como a vós mesmos. Em todas as ocasiões se deve empunhar o escudo da fé, por meio do qual possais apagar todos os dardos inflamados do maligno" (n. 18). E ainda: "A espada do Espírito, que é a Palavra de Deus, habite abundantemente na vossa boca e nos vossos corações e todas as coisas que deveis fazer, fazei-as no nome do Senhor" (n. 19). Muitas mulheres e homens alcançaram a santidade vivendo com fidelidade criativa os valores da Regra carmelita. Olhando para eles, como para todos os demais discípulos que seguiram fielmente a Cristo, um "novo motivo nos impele a procurarmos a Cidade futura; ao mesmo tempo, aprendemos a descobrir no estado e na condição de cada um qual é o caminho mais seguro para chegarmos, por entre as vicissitudes deste mundo, até à união perfeita com Cristo, quer dizer, à santidade" (cf. Const. Lumen gentium, 50).
O tema da vossa assembleia capitular In obsequio Jesu Christi. Comunidade orante e profética num mundo que muda evidencia claramente o estilo peculiar com o qual a Ordem Carmelita procura corresponder ao amor de Deus através de uma vida repleta de oração, fraternidade e espírito profético. No coração da vossa Regra há o preceito de reunir-se todas as manhãs para a celebração eucarística. De facto, é na Eucaristia que "se revela o desígnio de amor que guia toda a história da salvação... é toda a vida divina que nos alcança e se comunica a nós na forma do Sacramento" (Exort. ap. Sacramentum caritatis, 8). Disto estavam já plenamente conscientes os primeiros Carmelitas, que perseguiam a pessoal santificação mediante a diuturna participação no Banquete eucarístico: com efeito, a celebração quotidiana da Eucaristia suscita "um processo de transformação da realidade, cujo termo último é a transfiguração do mundo inteiro, até chegar àquela condição em que Deus seja tudo em todos (cf. Cor 15, 28)" (Ibid., n. 11).
Com o olhar fixo em Cristo e confiando na ajuda dos santos, que no decorrer destes oito séculos encarnaram os ditames da Regra do Carmelo, cada membro da Ordem dos Irmãos da Bem-Aventurada Virgem do Monte Carmelo se sinta chamado a ser testemunha crível da dimensão espiritual própria de cada ser humano. Desse modo os fiéis leigos poderão encontrar nas comunidades carmelitas autênticas ""escolas" de oração, onde o encontro com Cristo não se exprima apenas em pedidos de ajuda, mas também em acção de graças, louvor, adoração, contemplação, escuta, afectos de alma, até se chegar a um coração verdadeiramente "apaixonado"" (João Paulo II, Carta ap. Novo millennio ineunte, 6 de Janeiro de 2001, n. 33). A Bem-Aventurada Virgem Maria, Mãe e decoro do Carmelo, assista os Carmelitas e as Carmelitas, os membros da Terceira Ordem e quantos a vários títulos participam na grande Família do Carmelo, e lhes ensine a obedecer à Palavra de Deus e a conservá-la nos seus corações, meditando-a quotidianamente. O Profeta Elias os torne zelosos defensores do Deus vivo e os guie à santa montanha onde lhes seja dado perceber a brisa leve da Divina Presença.
Com estes sentimentos, enquanto invoco sobre a inteira Família carmelita a abundância dos dons de um renovado Pentecostes que lhes aumente o zelo pelo Senhor, a todos concedo de coração, com um pensamento especial pelos Capitulares, a Bênção Apostólica.
Castel Gandolfo, 14 de Agosto de 2007.
BENEDICTUS PP. XVI

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CARTA DO BEATO PAPA JOÃO PAULO II SOBRE OS 750 ANOS DOS ESCAPULÁRIO DO CARMO, 25/03/2001.



Aos Reverendíssimos Padres JOSEPH CHALMERSPrior Geral da Ordem dos Irmãos da Bem-aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo (O. Carm.) CAMILO MACCISE Prepósito Geral da Ordem dos Irmãos Descalços da Bem-aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo (O.C.D.)

1. O providencial acontecimento de graça que o Ano Jubilar foi para a Igreja, indu-la a olhar confiadamente e cheia de esperança para o caminho apenas encetado no novo milênio: "No início deste novo século - como escrevi na Carta apostólica Novo millennio ineunte - o nosso passo deve tornar-se mais expedito... Nesta caminhada, acompanha-nos a Virgem Santíssima. A Ela ... confiei o terceiro milênio" (n. 58).
Foi assim com profunda alegria que soube pretender a Ordem do Carmo nos seus dois ramos, antigo e reformado, exprimir o seu amor filial para com a sua Padroeira, dedicando o ano 2001 Àquela a quem invoca como Flor do Carmelo, Mãe e Guia nos caminhos da santidade. A este respeito, só posso sublinhar uma feliz coincidência: a celebração deste ano mariano ocorre para todo o Carmelo, segundo o que foi transmitido por uma venerável tradição da mesma Ordem, por ocasião 750º aniversário da entrega do Escapulário. É pois uma celebração que proporciona a toda a Família Carmelita uma excelente ocasião não só para aprofundar a sua espiritualidade mariana, mas também para a viver cada vez mais à luz do lugar que a Virgem Maria ocupa no mistério de Cristo e da Igreja, e, consequentemente, para seguir Aquela que é a "Estrela da evangelização" (cfr. Novo millennio ineunte 58).
 2. No seu itinerário em direção "à Montanha santa, Jesus Cristo, nosso Senhor" (Missal Romano, Coleta da Missa em honra da B. V. Maria do Monte Carmelo, 16 de Julho), as diversas gerações do Carmelo, desde as origens até hoje, procuraram moldar a sua própria vida seguindo os exemplos de Maria.
Por isso, no Carmelo, e em cada alma movida por um terno amor para com a Santíssima Virgem e Mãe, floresce a contemplação daquela que, desde o princípio, soube estar aberta para escutar a Palavra de Deus e obedecer à sua vontade (Lc 2,19.51). De fato, Maria educada pelo Espírito e por Ele moldada (cfr. Lc 2,44-50), foi capaz de ler à luz da fé a sua própria história (cfr. Lc 1,46-55) e, dócil às indicações de Deus, "avançou na peregrinação da fé, conservando a sua união com o Filho até à cruz, junto à qual, por desígnio divino, esteve (cfr. Jo 19,25), sofrendo profundamente com o seu Unigênito e associando-se com ânimo materno ao Seu sacrifício" (Lumen Gentium 58).

3. Contemplando a Virgem, vemo-la como Mãe primorosa que em Nazaré vê o seu Filho crescer (cf. Lc 2,40.52), o segue pelas estradas da Palestina, o assiste nas bodas de Caná (cfr. Jo 2,5) e, junto à cruz, passa a ser a Mãe associada à oferta de Seu Filho e dada a todos os homens mediante a entrega que o próprio Jesus dela faz ao discípulo predileto (cfr. Jo 19,26). Como Mãe da Igreja, a Virgem Santa une-se aos discípulos "em assídua oração" (At 1,14) e, como Mulher nova que antecipa em si o que um dia se realizará para todos nós na plena fruição da vida trinitária, é assunta ao Céu, donde estende o manto da sua misericordiosa proteção sobre os seus filhos, ainda peregrinos para o monte santo da glória.
Uma semelhante atitude contemplativa da mente e do coração leva-nos a admirar a experiência de fé e de amor da Virgem, a qual já vive em si aquilo que cada fiel deseja e espera realizar no mistério de Cristo e da Igreja (cfr. Sacrosanctum Concilium 130; Lumen gentium 53). Justamente por isso os carmelitas e as carmelitas escolheram Maria como a sua própria Padroeira e Mãe espiritual, tendo-a sempre presente diante dos olhos do coração como a Virgem Puríssima que a todos nos guia até ao conhecimento pleno e à perfeita imitação de Cristo.
Floresce assim todo um conjunto de íntimas relações espirituais que incrementam uma comunhão cada vez maior com Cristo e com Maria. Para os membros da Família Carmelita Maria, a Virgem Mãe de Deus e dos homens, não é apenas um modelo a imitar, mas também uma doce presença de Mãe e Irmã na qual se confia. Por isso mesmo exortava Santa Teresa de Jesus: "Imitai Maria e considerai qual não deve ter sido a grandeza desta Senhora e o bem que nos advém de a termos como Padroeira" (Castelo interior III, 1,3).
4. Esta intensa vida mariana, que se traduz em confiante oração, entusiástico louvor e diligente imitação, faz-nos a compreender que a forma mais genuína de devoção à Virgem Santíssima, traduzida no humilde sinal do Escapulário, é a consagração ao seu Imaculado Coração (cfr. PIO XII, Carta Neminem profecto latet [11 de Fevereiro de 1950: AAS 42, 1950, pp. 390-391]; Const. Dogm. sobre a Igreja Lumen gentium 67). É assim que no íntimo do coração se leva a cabo uma crescente comunhão e familiaridade com a Virgem Santa, experimentada "como uma nova maneira de viver para Deus e de continuar aqui sobre a terra o amor de Jesus, o Filho, a Maria, sua Mãe" (cfr. Discurso do Angelus, in Insegnamenti XI/3, 1988, p. 173). Pomo-nos assim, segundo a expressão do mártir carmelita Beato Tito Brandsma, em profunda sintonia com Maria, a Theotokos, tornando-nos como ela transmissores da vida divina: "O Senhor também nos manda o seu anjo, ... também nós devemos acolher Deus nos nossos corações, trazê-Lo nos nossos corações, nutri-Lo e fazê-Lo crescer em nós, de tal modo que Ele de nós nasça e conosco viva como o Deus-conosco, o Emanuel" (da Conferência do B. Tito Brandsma no Congresso Mariológico de Tongerloo, Agosto de 1936).
Este rico patrimônio mariano do Carmelo passou a ser ao longo dos tempos, através da difusão da devoção do santo Escapulário, um tesouro para toda a Igreja. Graças à sua simplicidade, valor antropológico e com o papel de Maria nas diversas vicissitudes da Igreja e da humanidade, esta devoção foi profunda e amplamente acolhida pelo povo de Deus, a ponto de encontrar a sua expressão na memória de 16 de Julho, presente no Calendário litúrgico da Igreja universal. 

5. No sinal do Escapulário evidencia-se uma síntese eficaz da espiritualidade mariana que alimenta a devoção dos crentes, tornando-os sensíveis à presença da Virgem Mãe na sua vida.
O Escapulário é essencialmente um "hábito". Aquele que o recebe é agregado ou associa-se mais ou menos intimamente à Ordem do Carmo, dedicando-se ao serviço de Nossa Senhora para o bem de toda a Igreja (cfr. Fórmula de imposição do Escapulário, no "Rito de bênção e imposição do Escapulário", aprovado pela Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos, 5/1/1996). Desta forma, aquele que se reveste do Escapulário é introduzido na terra do Carmelo, para que aí "coma dos excelentes frutos dos seus pomares" (cfr. Jer 2,7) e experimente a presença doce e materna de Maria, no compromisso quotidiano de se revestir interiormente de Jesus Cristo e de o manifestar vivo em si para o bem da Igreja e de toda a humanidade" (cfr. Fórmula de imposição do Escapulário, l.c.).
São duas, pois, as verdades evocadas pelo sinal do Escapulário: por um lado, a contínua proteção da Virgem Santíssima, não só ao longo do caminho da vida, mas também no momento da suprema passagem para a plenitude da glória eterna; por outro, a consciência de não se poder limitar a devoção a Maria a meras orações e serviços prestados a fim de a honrar em algumas circunstâncias, devendo antes aquele constituir um "hábito", ou seja, uma orientação constante da própria conduta pessoal, imbuída de oração e vida interior, mediante a prática frequente dos sacramentos e o exercício concreto das obras de misericórdia espirituais e corporais. Desta forma o Escapulário passa a ser um sinal da "aliança" e recíproca comunhão existente entre Maria e os fiéis: ele traduz de fato, e de forma concreta, a entrega que Jesus, do alto a cruz, fez a João- e nele a todos nós - de sua Mãe, bem como o ato de a Ela, constituída nossa Mãe espiritual, confiar o apóstolo predileto e cada um de nós.

6. Desta espiritualidade mariana, que molda interiormente as pessoas, configurando-as com Cristo, o Primogênito entre muitos irmãos, são exemplo preclaro os testemunhos de santidade e de sabedoria de tantos Santos e Santas carmelitas, os quais cresceram, todos eles, à sombra e sob a tutela da Mãe.
Também eu, desde há tanto tempo, trago sobre o meu coração o Escapulário do Carmo! Pelo amor que nutro à nossa Mãe comum, faço votos de que este ano mariano ajude todos os religiosos e religiosas carmelitas, bem como os fiéis piedosos que filialmente a veneram, a crescer no amor a Ela e a irradiar neste mundo a presença desta Senhora do silêncio e da oração, invocada como Mãe de misericórdia, Mãe da esperança e da graça.
Com estes votos concedo de bom grado a Bênção Apostólica a todos os Irmãos, Monjas, Irmãs, leigos e leigas da Família Carmelita que tanto trabalham para que se difunda entre o povo de Deus a devoção a Maria, Estrela do Mar e Flor do Carmelo!

Vaticano, 25 de Março de 2001.
Joannes Paulus II





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