quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

A TRADIÇÃO E A ICONOGRAFIA DO PROFETA ELIAS, NO OCIDENTE E ORIENTE TARDO-ANTIGO E MEDIEVAL

 Tiago Correia da Silva[1]
                                                                                                                          
RESUMO

A devoção e culto ao profeta Elias tem origem na Sagrada Escritura e ganha força na tradição hebraica, esta que influenciaria o Cristianismo nascente fazendo que o profeta fosse lembrado nas Escrituras cristãs e ganhasse muitas interpretações juntos aos primeiros Padres da Igreja. No Islamismo no qual a revelação é intimamente ligada ao Judaísmo e ao Cristianismo o profeta Elias novamente apareceria nesta tradição. Porém, se este profeta é cultuado pelas três religiões monoteístas, devido à proibição de representações no Judaísmo e islamismo, a representação iconográfica de Elias ficaria a cargo do Cristianismo, no qual encontramos registros desde os primeiros séculos da Igreja seja no Ocidente ou no Oriente, e abrange os vários fatos da vida do profeta bem como a devoção característica das Igrejas em suas respectivas tradições.
Palavras chaves: Profeta Elias, Iconografia, Tradição Eliana.


THE TRADITION AND THE ICONOGRAPHY OF THE PROPHET ELIJAH, IN EAST AND WEST LATE-ANTIQUE AND MEDIEVAL.

ABSTRACT
The devotion and worship to Prophet Elijah have their origin in the Holy Scripture and they gain reinforcement in the Hebrew tradition, which influenced the early Christianity becoming the Prophet remembered in the Christian Scriptures and obtained many interpretations by the first Fathers of the Church. In the Islam, in which the revelation is deeply linked to Judaism and Christianity, the Prophet Elijah would appear again in this tradition. However, if this Prophet is worshiped by the three monotheist religions, due the prohibitions of representations in Judaism and Islam, the iconography representation of Elijah would be in charge of the Christianity, in which we find records since the first centuries of the Church in the Occident or Orient, and it covers many facts of Elijah’s life, like the peculiar devotion of the Churches in their respective traditions.
Keywords: Prophet Elijah, Iconography, Elijah Traditio


1.      INTRODUÇÃO:

O Profeta Elias é um dos personagens bíblicos que sempre encontrou devoção tanto entre judeus, cristãos ou muçulmanos. Algo motivado por sua enigmática história que nos é apresentada nos 1º e 2º Livros dos Reis, em outros textos do Antigo Testamento, na literatura judaica ou nas abundantes referências nos escritos cristãos (como os Evangelhos) ou nas cartas aos Romanos e de Tiago e mesmo em muitos escritos pós-bíblicos. Elias ainda fulgura entre os profetas corânicos e encontra lugar na tradição do Islã. Porém, se o Profeta Elias aparece na literatura sagrada do Judaísmo e do Islamismo, devido à proibição de representações humanas em ambas as religiões sua imagem pictórica seria restrita em algumas figuras ilustrativas nas obras literárias a ele referentes, entretanto a representação iconográfica de Elias tendo por objetivo o culto, ficaria a cargo do Cristianismo. Esta aparece já nos primeiros séculos e se estende pela história da Igreja seja no Oriente ou no Ocidente. Tendo esse artigo o objetivo de tratar das representações de Elias e de modo particular sua iconografia, partiremos primeiramente da figura eliana que nos é dada na literatura sagrada e posteriormente mostraremos como o profeta foi caracterizado iconograficamente.

2.      O PROFETA ELIAS NAS ESCRITURAS E TRADIÇÃO HEBRAICA:
A enigmática figura de Elias aparece pela primeira vez nas Escrituras no 1º e 2º Livro dos Reis[2], entre a narração do mal sucedido governo de Acab (874-853 a.C.), que fora Rei de Israel, ao qual é atribuída a danação bíblica comum aos maus governantes  “fez o mal diante dos olhos do Senhor” (Cf. 1º Reis 16, 30). Porém, certamente antes de ser redigida a sua história nos Livros dos Reis no período do exílio, a muito permanecia na tradição oral do povo de Israel, a figura heroica do profeta[3] que ganhou força nos difíceis tempos da Babilônia, e assim foi copiada nos Livros Sagrados.
    Encontramos então, entre os capítulos 17 e 19 do 1º Livro dos Reis, o ciclo de Elias, no qual as narrativas "são desenvolvidas como uma história continua com uma estrutura e alguns temas que dão unidade literária a essas histórias" (CHALMERS, 2008, p.15) Segundo Joseph Chalmers, os elementos unificadores do texto são a permanente atuação religiosa do Profeta na defesa do javismo contra o baalismo, fator que sempre ocasiona sua perseguição. Isto fica evidente no passar desses capítulos, nos quais estão alguns dos principais fatos da vida do Profeta, tais como: sua fuga para a torrente do Carit onde seria alimentado pelos corvos; seu refugio na casa da viúva; seu embate com o Rei Acab, que tem seu ápice na disputa do Monte Carmelo, no qual o Profeta retira a vida dos profetas de Baal; temos então Elias sendo alimentado pelo Anjo e seu encontro com Deus no Monte Horeb.
 Embora, segundo a análise proposta por Joseph Chalmers tenhamos encerrado o ciclo de Elias, encontramos em 1º Reis 21, 1-18 uma história avulsa, na qual o profeta Elias aparece mais uma vez confrontando-se com Acab, desta vez seu confronto não é propriamente religioso, mas se concentra na defesa da justiça. Elias denuncia a ilegalidade feita pelo Rei Acab ao tomar a Vinha de Nabot retirando-lhe a vida e profetiza um triste fim pelo mal cometido, então o rei se arrepende momentaneamente.
No início do 2º Livro dos Reis temos duas narrações sobre o profeta Elias. A primeira em 2º Reis 1, 1-8 refere-se ao embate de Elias com o rei Acazias, sucessor de Acab, que gravemente ferido deseja consultar a divindade pagã de Baal-Zebul. Elias o impede pedindo a Deus que por duas vezes mande fogo sobre seus oficiais e homens e por fim o profeta anuncia a morte do rei Acazias.
 A segunda narrativa está em 2º Reis 2, 1-18 e nos mostra a chefia de Elias sobre os filhos dos profetas. Logo no início do texto, temos o diálogo entre os filhos dos profetas e Eliseu, que anunciam já saber o que ia acontecer com Elias, pois repetem: “Sabes que o Senhor hoje vai arrebatar o teu amo pelos ares, por cima de tua cabeça? Respondeu ele (Eliseu) “Já sei, calai-vos” (2º Reis 2,3; 2,5). Continuando o caminho, Elias com seu manto abre as águas do Jordão para a travessá-lo a pé enxuto e por fim temos o miraculoso fato do arrebentamento do Profeta: “E aconteceu que, enquanto prosseguiam o caminho a conversar, um carro de fogo e cavalos de fogo os separaram um do outro; e Elias subiu ao céu em meio a tempestade” (2º Reis 2, 11). Eliseu fica com o manto do profeta e duas vezes seu espirito, como havia pedido, e assim passa a realizar grandes prodígios como fizera seu mestre.
No Antigo Testamento também fazem referências ao profeta Elias os textos de 2º Crônicas 21, 12-15; 1º Macabeus 2, 58. Nos textos de Sirácida e Miquéias, além da memória de Elias, e acrescentado a seguinte profecia: “tu que fostes designado nas censuras para os tempos que há de vir, para aplacar a cólera antes que ela desencadeie, reconduzir os corações do pai para o filho” (Cf. Sirácida 48, 10)[4]. Profecia esta que se difundiria por meio da tradição de Israel.
O Profeta Elias voltaria a ser lembrado na literatura apocalíptica, gênero literário judaico[5] frequente entre 200 a.C. e 100 d.C.; D. S. Russel cita a influência de Elias nestes escritos:

Com o passar do tempo surgiu a crença de que o próprio Elias retornaria à terra como visitante celeste a anunciar o messias. Uma passagem às vezes citada em apoio é 1 Henoc 90,31, onde se diz que Elias, juntamente com Enoc, desce do céu para preparar o julgamento do messias” (RUSSEL, 1997, p. 156-157)

Na literatura judaica dos séculos II a VII que é caracterizada por obras como o Mishnah[6] e o Talmud[7] seriam feitas referências ao profeta no que concerne ao comentário dos textos onde ele aparece nas Escrituras, nestes textos Elias seria caracterizado como o personagem bíblico, inflexível na luta pela verdade e causa de Javé, no entanto mesmo nestes escritos já aparecem histórias sobre aparições do profeta. Na literatura pós-talmudica, ou seja, a Midrash[8] Elias seria apresentado gentil e bondoso ao povo judeu, a crença da não morte de Elias possibilita a este uma série de aparições aos judeus piedosos. Ausubel assim resume as histórias atribuídas a Elias:

O profeta Elias inspirou mais histórias que qualquer outro herói da bíblia. Em todas essas histórias, por mais ingênuas que possam parecer, sua personalidade é retratada de forma altamente individualizada – em parte humana, em parte divina. Sua maior missão de acordo com essas lendas, é aconselhar e proteger o homem nos momentos difíceis. Em suma ele é uma espécie de amigo invisível. (AUSUBEL, 1989, p. 273)

No período do chamado misticismo gueônico que se estende dos séculos VIII ao XI são sustentados muitos pontos da tradição apocalíptica, sendo inclusive atribuído um apocalipse ao profeta Elias (Cf. SCHOLEM, 1989, p. 28). No século XII a Cabala, que podemos muito sumariamente resumir como mística judaica seria atribuída à revelação de Elias (SELTZER, 1989, p.427), o profeta apareceria citado na Zohar[9] para explicar os mistérios de Deus (SELTZER, 1989, p.434).
Na piedade judaica encontramos devoções próprias ao profeta. Na Ceia de Páscoa um copo de vinho é colocado sobre a mesa, e a porta é deixada aberta para permitir que o profeta Elias, entre e beba. Em cada cerimônia de circuncisão[10] um assento está marcada para Elias, este é muitas vezes esculpido e ornado com bordados, e em determinado momento da oração referem-se a ela: “Esta é a cadeira de Elias, bendita seja sua memória”. Elias é ainda identificado com o Anjo da Guarda da criança judia, sendo a ele atribuído um amuleto que é colocado sobre seus berços[11]
Assim verificamos como Elias nunca foi esquecido na tradição hebraica, pois múltiplas são suas referências na literatura e na piedade desde povo.

3.      PROFETA ELIAS NAS ESCRITURAS E TRADIÇÃO CRISTÃ:
Segundo a teologia cristã todo o Antigo Testamento, ou seja, a Bíblia Hebraica apontam para o messias, o Cristo Jesus. Desta forma, a figura de Elias que já tivera sua memória atualizada pela literatura intertestamentária, será lembrada pelos quatro evangelistas, por seu caráter messiânico.
Primeiro temos a identificação de Profeta Elias com São João Batista, esta nos é dada de modo claro no discurso de Jesus sobre João Batista narrado por Mateus: “Se quiserdes compreender-me, ele (João Batista) é Elias que deve voltar” (Mateus 11, 14), e também se encontra na descrição do precursor de Cristo feita pelo anjo a Zacarias e narrada por Lucas: “Ele reconduzirá muitos dos filhos de Israel ao Senhor Deus; e ele mesmo caminhará a sua frente, sob os olhos de Deus, com o espírito de Elias, para reconduzir o coração dos pais aos filhos” (Lucas 1, 16-17). Porém no Evangelho de João, ao ser interrogado pelos sacerdotes e levitas, o Batista afirma não ser Elias (João 1, 21).
De forma implícita nos Evangelhos muitos elementos unem Elias a João Batista,  suas vestes (2 Reis 1,7; Mateus 3,4); sua vida no deserto ( 1 Reis 19,8; Lucas 1, 80); seu confronto com as autoridades reais (1 Reis 17,1; Lucas 3, 19). Assim sendo, desde os Padres da Igreja se estendem as discussões sobre se a profecia relativa a Elias teria ou não sido comprida em João Batista.
Através das celebres indagações de Jesus aos discípulos: “Quem dizem os homens que eu sou?” podemos relacionar a figura de Elias a Jesus. Pois, em ambos os evangelhos entre as respostas encontradas por Jesus, Cristo é identificado com Elias (Mateus 16, 13-14; Marcos 8, 27-28; Lucas 9, 18-19;); Os Evangelistas narram ainda Herodes perguntando pela identidade de Jesus e nas respostas que recebe Cristo novamente seria identificado com Elias (Marcos 6, 14-15; Lucas 9, 7-8).
Depois da sua mal sucedida pregação de Jesus na Sinagoga de Nazaré, ele refere-se a Elias: “É verdade o que vos digo: havia muitas viúvas em Israel nos dias de Elias, quando o céu ficou fechado três anos e seis meses e sobreveio uma grande fome sobre a terra toda; no entanto, não foi a nenhuma delas que foi enviado Elias, mas sim, a uma viúva de Serepta em Sídon” (Lucas 4, 25-26).
Os Evangelhos sinóticos narram ainda a presença de Elias no momento da transfiguração de Jesus. Ambos os textos dizem que Moisés e Elias conversavam com Cristo (Mateus 17, 3; Marcos 9,4; Lucas 9,30) e estavam envoltos em glória (Lucas 9, 31), conversavam sobre consumação dos dias de Jesus, Pedro subitamente toma a palavra é pede a Jesus para construir três tendas, porém neste momento temos a manifestação de Deus em uma nuvem e logo depois desaparecem Moisés e Elias. No Evangelho de Marcos após este acontecimento os discípulos fariam uma pergunta que aqui se faz interessante:

Eles o interrogavam: “Por que os escribas dizem que Elias deve vir primeiro?” Ele lhes disse: “ Decerto Elias vem primeiro e restaura tudo; todavia, como é que está escrito sobre o Filho do Homem que deve sofrer e ser desprezado? Pois bem, eu vos declaro, Elias veio e fizeram a ele tudo que queriam, conforme esta escrito a seu respeito. (Marcos 9, 11-13)

Este texto mostra-nos como a expectativa messiânica esta implicada na volta de Elias e como ambas tem por signo o sofrimento, o filho do homem deve sofrer; com Elias[12] fizeram o que quiseram.
O profeta é ainda citado por São Paulo na Epístola aos Romanos (11, 2-4) e posto como modelo de oração na Epístola de São Tiago (5, 17-18), que nos recorda do episódio do seca em Israel e como a oração do profeta foi ouvida.
Já na Literatura Patrística, as menções a Elias se dividem entrem as relativas a exegese do Texto Sagrado no concernente a profeta, sendo ressaltado o episódio da transfiguração; as às profecias que tratam de sua função messiânica. Neste sentido aparecem claramente nos escritos de São Justino de Roma e Santo Agostinho.
Uma outra forma de interpretação da Escritura e a alegórica que permite aos padres colocarem a figura de Elias como topos vetero-testamentario da figura de Jesus Cristo, João Batista e Paulo, assim facilitando suas relações e interpretação. Porém o profeta ainda seria tomado por modelo da vida, seja na defesa da verdade, ou na vida de pobreza, castidade, obediência a Deus. Essa caracterização logo faria de Elias modelo da vida monástica; apostólica e presbiteral. Sendo tais características sumariadas nos escritos de São João Crisóstomo e Gregório de Nissa que propõe Elias como um exemplo de vida cristã[13].
Dois elementos ainda nos ajudam a perceber a presença de Elias na tradição cristã, sua memória litúrgica que é celebrada nas Igrejas do Oriente[14], e os muitos templos a ele dedicados.

4.      PROFETA ELIAS NO CORÃO E TRADIÇÃO ISLÂMICA.
No islamismo encontramos entre os profetas maiores: Adão, David, Moisés, Jesus e Moramad. No intervalo histórico entre esses grandes profetas Deus não deixa de manifestar-se e envia ainda outros mensageiros para falarem em seu nome, entre esses se encontra Elias. No livro sagrado dos muçulmanos, o Corão, encontramos narrada a história de Elias um profeta e justo, um verdadeiro homem de Deus, que poderosamente pregou contra a adoração de Baal.
Na literatura islâmica, outro texto narra a história e os feitos dos profetas, este é  chamado de Hamzanama, ai encontramos histórias sobre Elias que não são narradas no Corão, e alguns feitos milagrosos que mostram como o profeta é sempre favorável aquele que precisa de sua ajuda. Alguns desses textos são ilustrados e é de onde nos vem às representações artísticas de Elias do Islã medieval.

5.      A REPRESENTAÇÃO ICONOGRÁFICA DO PROFETA ELIAS
As três grandes religiões monoteístas de uma forma ou outra mantiveram relações e se influenciaram mutualmente no passar da história, relações estas que aqui são ligadas pela devoção e representações do profeta Elias que existiram em ambas as religiões. Porém, ao trata-se das gravuras islâmicas e judaicas que retratam o profeta, temos de ter em conta que sua função é decorativa, já no Cristianismo o profeta Elias e cultuado como Santo Elias e a produção de suas imagens tem lugar nas igrejas e são destinadas ao culto.
A amplitude que ganha à representação do profeta Elias no Cristianismo e comentada por Julio Lamelas Míguez: 

Se trata de uma iconografia de profundas raízes bíblicas de uma personagem como poucos iguais por sua continuidade no tempo, e sua amplitude no espaço. Desde as origens do cristianismo com os afrescos das catacumbas romanas e da Sinagoga de Doura-Europos até o século XIX, desde o Monte Carmelo na Palestina até e Paris, desde Córdoba (Espanha) até Ioroslav (Rússia) incluindo a America do Sul, sua figura aparece presente na arte e na literatura. (tradução nossa de MÍGUEZ, 1988, p.111)

Passamos então a uma caracterização dos elementos encontrados em grande parte das representações e ícones do profeta Elias: As características básicas da iconografia dos profetas são mantidas em Elias e lhe são acrescentados elementos próprios.
Como os profetas, Elias é representado de barba sinal de sua maturidade, autoridade e mandato divino; por vezes encontramos “seus cabelos ornados com uma mecha ligeiramente torcida voltada para o céu, mostra que a inspiração profética, o Espirito vem do alto” (LELOUP, 2006, p. 118); o pergaminho ou livro também é próprio da representação do profeta e por vezes é mantido; quanto a suas vestes segue o modelo, porém com as especificações que nos são dadas pela Escritura, “Era um homem que usava um veste de pelos e uma tanga de peles em torno dos rins... é Elias” (2º Livro dos Reis 1, 7) e as muitas referências[15] a seu manto que nas Escrituras caracterizam sua dignidade, missão e poder; a cor das vestes de Elias esta muitas vezes ligada a elemento ígneo, visto as  relações de Elias com o fogo; em algumas representações encontramos ainda o profeta empunhando ou bastão sinal de sua constante caminhada ou a espada que lembra-nos o episodio da morte dos profetas de Baal, bem como sendo o profeta  aquele que anuncia a Palavra de Deus que nas Escrituras e muitas vezes identificada com a espada[16].

5.1 REPRESENTAÇÕES E ÍNOGRAFIA DO PROFETA ELIAS NA ANTIGUIDADE TARDIA E IDADE MÉDIA.
Partiremos de dois modelos singulares encontradas nos primeiros séculos da Era Cristã. A primeira trata-se de uma das muitas gravuras encontradas na Sinagoga de Dura Europos nas proximidades do rio Eufrates no séc. III d.C.. A Segunda são duas representações da Ascenção de Elias uma no sepulcro de uma rica família romana e a outra em uma das portas da Igreja de Santa Sabina em Roma.
 Na pintura sinagogal temos a representação do sacrifício de Elias no Monte Carmelo, ao centro encontra-se o altar preparado por Elias com a vítima imolada e o retrato do exato momento que Deus envia fogo para consumir o sacrifício, a direita vemos Elias elevando sua oração a Deus e a esquerda o profeta ordenando que o sacrifício fosse encharcada por talhas de água para assim aumentar a enormidade do milagre. Na mesma sinagoga outra pintura nos mostra o profeta a reanimar o filho da viúva de Serepta, isto é representado em uma sucessão de passagens, no primeiro quadro temos a viúva com seu filho no colo, no segundo o profeta a reanimar o menino em uma grande cama, e no último o menino que é devolvido a sua mãe.

Figura 1 – Ressurreição do filho da Viúva, Sinagoga de Dura, séc. III.




Figura 2 – Sacrifício de Elias, Sinagoga de Dura, séc. III. 

           

O segundo modelo de representação eliana provém de Roma, são duas representações da ascensão do profeta Elias, o primeiro esculpido no sepulcro de uma importante família romana no séc. IV que segue os cânones da arte clássica retratando  Elias no carro de fogo e Eliseu seu discípulo a segurar o manto que lhe é deixado. A outra representação trata-se de um dos entalhes da porta da Basílica de Santa Sabina, datados do V século, temos a mesma cena também segundo o modelo clássico helênico, com as nuvens, o carro, os cavalos e Elias já no ar que é puxado por um anjo; Eliseu que espera por seu manto junto de outros homens que parecem extasiados com o que veem.




Figura 3 – Ascenção de Elias, túmulo em mármore dos Anicii, Roma, séc. IV.


Figura 4 - Portas da Igreja Santa Sabina, Roma, séc. V



Do período Justiniano até o fim da revolta iconoclasta preservam-se as representações de Elias que compõe os mosaicos presentes nas Igrejas dedicadas a Transfiguração, sendo o mais significativo o do mosteiro de Santa Catarina no Sinai, que embora haja grande controvérsia sobre a datação, acredita-se que ali se encontre um das mais antigas representações da Transfiguração de Cristo, que se tornaria modelo para as demais. A Igreja do mosteiro do Sinai é importante, pois seria este um centro de culto eliano, visto ter sido neste monte que o profeta Elias se encontra com Deus na brisa suave. Este mosaico nos mostra Cristo envolto em luz, a sua esquerda Moisés e a sua direita o profeta Elias que é representado de barbas, longa túnica marrom e coberto por manto claro. A transfiguração é um dos importantes fatos da vida de Cristo e assim sendo encontram-se muitas representações, como o profeta Elias e parte do acontecimento, seria esta uma marca da iconografia Eliana. Nestas representações geralmente segue-se o modelo profético representado Elias com barbas, túnica e manto, envolto em luz como na narração dos textos Evangélicos.
Do século XIII nos chegam dois autênticos ícones bizantinos, representado o profeta Elias, o primeiro é proveniente do Monte Sinai, como já assinalado lugar de culto eliano e retrata o profeta com longos cabelos e barba, túnica e manto de pele de animais, o ícone esta em cores fortes a ressaltar o vermelho uma das cores distintivas do profeta, no canto superior direito encontramos o corvo, ave que muitas vezes aparece na iconografia de Elias, lembrando que por eles foi alimentado no Carit, sendo este considerado um prenuncio da Eucaristia. O segundo ícone e de origem russa, e foi escrito para compor o iconostasis da Igreja de Santo Elias as margens do Rio Onega, é um ícone de cores escuras onde o profeta aparece tradicionalmente vestido e segura em sua mão esquerda um pergaminho.




Figura 5. Profeta Elias, Monte Sinai, séc. XIII



Figura 6. Profeta Elias, Rússia, séc. XIV




Um dos ícones mais conhecidos de Elias, é o profeta no deserto sendo alimentado pelos corvos, Tomamos aqui um ícone grego do século XIV, que retrata o profeta em uma caverna, junto ao riacho do Carit, nesta imagem vemos o corvo trazendo em seu bico pão para o profeta. Esta iconografia se tornaria tradicional nos refeitórios dos monteiros do Montes Atos e dos Conventos Carmelitas no Ocidente.
A Iconografia da Ascenção de Elias se passa junto ao rio Jordão, vemos então em terra o profeta Eliseu que a segurar o manto olha para Elias, este em um carro de fogo, com cavalos de fogo e guiados por um anjo de Deus; Elias volta seu olhar para seu discípulo lhe confiando à missão profética (em muitos ícones que retratam este acontecimento, Elias olha para o Céu) neste ícone a direção de Elias que sobe ao céu fica claro pela direção que segue o anjo ao canto superior direito da tela onde se encontra saindo de uma mancha azul a mão de Deus.


Figura 7. Profeta Elias é alimentado pelo corvo, Grécia, séc. XIV



Figura 8. Ascensão do Profeta Elias, Rússia, séc. XIV





                                
           

5.2 TRANSPOSIÇÃO DA TRADIÇÃO ICONOGRAFICA ELIANA PARA O OCIDENTE MEDIEVAL.

Nas expedições militares dos séculos XII e XIII chamadas de cruzadas, tivemos em um mesmo território, a Terra Santa, cristãos de tradição oriental e ocidental, muçulmanos e judeus. Neste contexto nasce a Ordem do Carmo, como um grupo de eremitas junto ao Monte Carmelo, a historiografia sobre suas origens é uma das mais confusas[17]. Seriam estes primeiros carmelitas peregrinos da Europa? Seriam eles já membros dos estados cruzados? Seriam uma mescla de peregrinos orientais e ocidentais? São todas hipóteses possíveis para a origem da ordem. Porém, o que as fontes revelam é a institucionalização deste grupo de eremitas, que se deu com Fórmula de Vida, escrita por S. Alberto de Vertilli, Patriarca Latino de Jerusalém entre 1207 e 1214. Em 1220 Jaques de Vitry refere-se a proximidade destes eremitas com o mosteiro grego de Santa Margarida, e afirma que estes eremitas viviam a exemplo do profeta Elias no Monte Carmelo.
Em 1238 com o avanço sarraceno sobre os domínios cruzados, inicia-se a migração destes carmelitas para o Ocidente, entretanto, levam consigo uma identidade formada no Monte Carmelo, esta era constituída pela devoção a Virgem Maria e a Santo Elias que seria ampliada no Ocidente, uma liturgia que era celebrada na Terra Santa pelos cruzados[18]e se torna própria da Ordem, e a Fórmula de Vita dada por Santo Alberto que em 1247 seria reconhecida pelo Bispo de Roma o Papa Inocêncio IV como Regra.
            Ao chegarem a Europa estes eremitas logo modificam seu estilo de vida, passando a condição de mendicantes, porém ainda tinham de responder claramente aqueles que perguntassem sobre suas origens, então nas Constituições da Ordem do Carmo de 1281, a primeira Rubrica diz: respondam que procedemos dos profetas Elias e Eliseu e dos filhos dos profetas no Monte Carmelo. Frei João Baconthorp daria um tratamento escolástico a questão, teólogo, doutor pela universidade de Paris que lecionava em Oxford, dedicaria algumas obras a explicar a litígio sobre a origem eliana do Carmo. No final do séc. XIII temos o aparecimento de um texto atribuído a João IXVI que a seria a regra carmelita anterior a Regra escrita por Santo Alberto, este texto medieval conhecido como Instituição dos Primeiros Monges recolhe em um belo relato muitos dos argumentos e lendas sobre o profeta Elias como fundador dos Carmelitas e escreve uma história interrupta desde o Profeta até os carmelitas seus sucessores. Desta forma Elias se torna personagem proeminente e fundamental na história carmelitana.
            Visto que a tradição atribuiu a fundação do Carmelo a Elias, o profeta pareceria muitas vezes vestido com o habito próprio destes religiosos, composto de túnica longa com escapulário marrom e capa branca, seria a capa equivalente a manto de Elias. Assim o vemos representado desde o século XIV nas Igrejas Carmelitas da Itália, e com a expansão dos conventos carmelitas também se expandiria a sua representação presente na grade maioria das Igrejas desta ordem.

Figura 9. Profeta Elias, de Andrea di Bonaiuto, Itália. 1360



Figura 10. Profeta Elias de Pietro Lorenzetti, Itália, 1327



                                    
                 
6.      CONCLUSÃO:

A antiga tradição de veneração ao profeta Elias que perpassa os séculos e as religiões monoteístas se encontra viva no Cristianismo, seja nas Igrejas de tradição oriental ou de tradição latina.
 E sendo o objetivo desde simpósio tratar da presença das tradições orientais no Brasil, saio do recorte temporal deste artigo que se estabelecia entre a Antiguidade Tardia e Idade Média e transporto o tema para o Brasil.
Não vejo melhor método para confirmar a devoção a um santo que encontrar uma Igreja a ele dedicada, no Brasil temos dois templos dedicados a Elias a primeira provém da Ortodoxia se encontra na cidade de Guaxupé - Minas Gerais e foi sagrada em 1928, a segunda e Católica Romana de rito latino, se encontra em Curitiba e foi fundada no ano 2000, talvez seja esta a única paróquia de rito latino dedicada ao Profeta Elias, devoção advinda dos frades carmelitas que atendem a localidade.
 Encontramos então no primeiro templo um tradicional ícone bizantino que é venerado pelos fieis e na paróquia latina um imagem em gesso do profeta, que em uma das mãos empunha a Espada e na outra segura uma maquete da Igreja, encontramos ainda na Igreja Matriz um painel inspirado na iconografia oriental que retrata a transfiguração na qual é também representado Elias e em uma das capelas um outro painel de Elias sendo alimentado pelo anjo.
Desta forma o culto a Santo Elias que se encontra vivo em nossas tradições, em nossas liturgias e em nossa piedade e arte, também deve ser sinal de unidade e diálogo entre os cristãos do Oriente e Ocidente e mesmo judeus e muçulmanos.

REFERÊNCIAS

AUSUBEL, Nathan. Conhecimento Judaico. Rio de Janeiro: Koogan, 1989.
BIBLIA. Português. A bíblia. T.E.B. – Tradução Ecumênica da Bíblia. São Paulo: Loyola, 1996.
BUBER, M. I racconti dei Chassidim. Guanda, Parma, 1992.
BRODBECK, Rafael Vitola. Santo Elias – Doutor de Israel. Campinas: Ecclesiae, 2012.
CHALMERS, Joseph. O som do silêncio: escutando a palavra de Deus com o Profeta Elias. Belo Horizonte: 2008.
LELOUP, Jean-Yves. O ícone: uma escola do olhar. São Paulo: Editora UNESP, 2006.
MESTERS, Carlos. A caminhada com o Profeta Elias. Paranavaí: Liv. N. S. do Carmo, 1991.
MÍGUEZ, Julio. Elias y Eliseo en la iglesia de Santa Eulalia de Beiro: un ejemplo de iconografia bpiblia. Porta de aira: Revista de história da arte arensano 1 (1988): 109-115.
RUSSEL, D.S. Desvelamento Divino: uma introdução à apocalíptica judaica. São Paulo: Paulus, 1997.
SAS-ZALOCIECKY, Wladimir. Bizâncio. Lisboa: Editorial Verbo, 1969.
SELTZER, Robert. Povo Judeu, pensamento judaico. Rio de Janeiro: Koogan, 1989.
SCHOLEM, Gershom. Cabala. Rio de Janeiro: Koogan, 1989.
STEINSALTZ, Adin. O Talmud Essencial. Rio de Janeiro: Koogan, 1989.
TINAMBUNAN, Edison R. L. Elijah accoding to the Fathers of the Church. In: Carmelus. Roma, v. 49, fasc. 1, p. 85-116, 2002.




[1] Bacharel e Licenciado em Filosofia pela UFPR, acadêmico do curso de Comunicação da UTFPR. Endereço eletrônico: frei_tiago@hotmail.com. Artigo apresentado em 27 e Agosto, no I Simpósio Nacional de Teologia Oriental, promovido pela FASBAM em Curitiba –PR.
[2] CHALMERS lembra-nos que os dois Livros dos Reis na Bíblia Hebraica formam uma unidade, estes só foram separados com a Septuaginta a edição grega da Bíblia composta pelos sábios de Alexandria no séc. III a.C. (Cf. CHALMERS, 2008, p. 15)
[3] O profeta em Israel era o homem chamado a falar em nome de Deus, um navi, “palavra navi entrou em uso no tempo de Samuel como sinônimo de homem de Deus e vidente” (SELTZER, 1990, p. 68). Elias é chamado de homem de Deus em 1º Reis 17,18; 18;24; 2º Reis 1,9; 1,10; 1,11; 1,12; 1,13.Porém, a partir da monarquia o profeta ganha ainda uma função política a qual muitas vezes implica em contestar o poder do Rei, como no caso de Natan ao repudiar o adultério de Davi. As contestações de Elias aparecem em suas muitas denúncias a Acab.
[4] Em Malaquias 3, 23-24: “Eis que vou enviar-vos Elias. O profeta, antes que venha o dia do Senhor, o grande e terrível dia. Ele reconduzirá o coração dos pais para os filhos e o coração dos filhos para os pais, a fim de que eu não venha para ferir a terra com o interdito”.
[5] Que influenciaria as comunidades cristãs nascentes, legando ao cânon do Novo Testamento o Livro do Apocalipse.
[6] A Mishnah (repetição ou doutrina) é a Segunda Lei. Foi copiada na Palestina, em hebraico por 148 por mestres-escribas – os Tanaim (professores da Midhnah). Trata-se de um código lentamente desenvolvido, que levou quase cinco séculos e meio desde a era dos escribas até sua redação final, por Judá há-Nasi, no séc. III da Era Cristã” (AUSUBEL, 1989, p. 5).
[7] O Talmud é a compilação da lei oral dos Judeus (Mishnah) com comentários rabínicos (Gemara) que a suplementa – em distinção às Escrituras ou leis escritas. Sendo escrito em duas redações principais: a palestina que data do Século IV e babilônica do século VI. Quanto às referências feitas a Elias no Talmud Cf. STEINSALTZ, 1989, P 289,300,303)
[8] M. Buber define a Midrash como “um gênero literário pós-talmutico, dedicado à interpretação homilética das Escrituras, rico de lendas, parábolas, metáforas e máximas de sabedoria” (BUBER, 1992, p.21)
[9] O próprio livro da Zohar (séc. XII) é em algumas interpretações revelação do profeta Elias (SALTZER, 1989, p.464)
[10] A razão da presença de Elias nas circuncisões parte de sua identificação com Anjo da Aliança que aparece em Malaquias.
[11] Outras referências à presença de Elias nas cerimonias religiosas judaicas podem ser encontradas em: O PROFETA ELIAHU, Revista Marashá, Nº 34 Setembro de 2001. COHEN, Jeffrey M. PHINEHAS, ELIJAH & CIRCUMCISION, Disponível em: http://jbq.jewishbible.org/assets/Uploads/411/jbq411pinchascohen.pdf acessado em: 29 abr. 2013.

[12] Joseph Ratzinger se refere a expectativa entre o judeus do martírio de Elias: Jesus “alude certamente também, tendo como referencia a Escritura, as tradições vigentes que previam o martírio de Elias: Elias era considerado “o único que na perseguição tinha escapado ao martírio; mas no seu regresso... devia também sofrer a morte” (RATZINGER, 2007, p. 266)
[13] As referências sobre a figura de Elias nas obras dos padres da Igreja nos são dadas no artigo: TINAMBUNAN, Edison R. L. Elijah accoding to the Fathers of the Church. Carmelus. Roma, v. 49, fasc. 1, p. 85-116, 2002.
[14] Na liturgia da Igreja de Roma, apenas é concedido à Ordem do Carmo a celebração da liturgia de Santo Elias, no dia 20 de Julho.
[15] 1º Reis 18, 19; 2º Reis 2,8; 2,13-14.
[16] Isaias 49, 2; Efésio 6,7; Hebreus 4, 12.
[17] Uma interessante apresentação das hipóteses historiográficas sobre as origens da Ordem do Carmo nos é dada na obra: MULLINS, Patrick. St. Albert of Jerusalem and the roots of carmelite spirituality, Roma: Edizione Carmelitane, 2012.
[18] A liturgia do Santo Sepulcro embora de origem latina, possuía influencia oriental. Algo observado na celebração das festas dos santos do Antigo Testamento, algo incomum na Igreja Latina.

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